Delegado desafeto da Lava Jato se livra de processos e é indenizado por abuso moral
A defesa de Fanton prepara outras ações de danos morais sob a justificativa de que foi prejudicado em uma série de processos que sofreu nos últimos anos
Pivô da revelação de que um grampo foi instalado ilegalmente na cela do doleiro Alberto Youssef no início da Lava Jato, o delegado da Polícia Federal Mario Renato Castanheira Fanton virou desafeto da operação e agora tem obtido vitórias na Justiça, com decisões que apontam que foi vítima de arbitrariedades.
Ele tinha sido processado em uma série de ocasiões, inclusive em denúncia apresentada pela força-tarefa do Ministério Público Federal no Paraná, em 2019.
Com a maior parte dos processos extintos, o delegado passou a acionar a União para receber indenização sob a justificativa de que sofreu abusos morais.
Fanton já foi beneficiado em dois processos de juizados especiais federais contra a União.
Uma das decisões condenou a União ao pagamento de R$ 66 mil, sob a justificativa de que, além da série de processos dos quais foi alvo, teve obstáculos para apresentar a sua defesa neles.
O juiz responsável entendeu que houve “gravíssimos” abusos contra o delegado. Fanton ganhou decisão favorável no ano passado e a União recorreu. Neste mês, a 8ª turma recursal de São Paulo negou o recurso contra ele, em decisão unânime.
O juiz federal Ricardo Geraldo Rezende Silveira disse em seu voto que “inúmeras condutas foram perpetradas à margem da lei e que tais ilegalidades e arbitrariedades cometidas impingiram ao autor danos de variada ordem, todos relacionados a seu vínculo institucional e em decorrência de sua atuação profissional”.
“A relação dos fatos não deixa dúvida quanto à arbitrariedade e à ilegalidade dos procedimentos [contra o delegado], o que por si só já configuraria o nexo causal de um dano que também salta aos olhos, visto que a promoção de defesa em tão numerosos e graves procedimentos para um servidor público é uma tarefa quase desumana, tanto em termos psicológicos quanto em termos econômicos.”
Em outra ação, que ele ganhou na primeira instância neste mês, a União é condenada a pagar R$ 62 mil por ele ter sido alvo de um inquérito policial quando passou a ser visto como um “dissidente” da Lava Jato.
Sua defesa prepara outras ações de danos morais sob a justificativa de que foi prejudicado em uma série de processos que sofreu nos últimos anos.
A sequência de processos começou após investigação sobre gravações clandestinas feitas no local onde Alberto Youssef ficou preso.
O doleiro foi gravado ilegalmente por 260 horas (11 dias) em 2014. Uma análise feita pela Polícia Federal que chegou a essa conclusão foi revelada pela Folha de S.Paulo, em 2019.
Passados quase dez anos, a defesa de Youssef tenta agora usar o episódio para rever seu acordo de colaboração, que permanece vigente até hoje.
Os advogados do acusado, principal alvo no início da Lava Jato e um de seus primeiros delatores, pediram à Vara Federal responsável pela operação do Paraná acesso às sindicâncias dentro de procedimento para tentar rever seu acordo de colaboração. Eles querem que seja avaliada “a voluntariedade” da colaboração, dando a entender que o acusado pode ter sido coagido a colaborar.
O juiz Eduardo Appio, que acabou afastado da Lava Jato, juntou as sindicâncias e enviou os autos para a Polícia Federal que fosse avaliada a instauração de inquérito.
Até 2015, a PF dizia que a escuta nas dependências da superintendência em Curitiba era legal, estava inoperante e havia sido instalada anos antes, para investigar o traficante Fernandinho Beira-Mar, que também ficou detido na capital paranaense.
No entanto, nesse ano Fanton colheu depoimento do agente Dalmey Werlang, que afirmou ter instalado o equipamento sob ordem de delegados da Lava Jato – Igor Romário de Paula, Rosalvo Ferreira Franco e Márcio Anselmo.
Esse depoimento levou a PF a abrir a sindicância que analisou o equipamento e descobriu que houve, de fato, a gravação ilegal.
Após essa conclusão, Fanton virou alvo de diversas ações relacionadas à Lava Jato e também à Operação Carne Fraca, na qual atuou.
Ele sempre afirmou que não cometeu nenhuma das irregularidades apontadas e que é alvo de perseguição.
Uma das acusações foi de ter violado o sigilo funcional durante a Operação Carne Fraca e de ter revelado informações a respeito dela para o ex-deputado André Vargas, que à época era do PT.
Um processo criminal foi apresentado em 2017 contra ele, mas Fanton foi absolvido por falta de provas em primeira e segunda instâncias.
Em seguida, foi apresentada uma ação de improbidade sobre o mesmo tema. O caso foi anulado pela Justiça Federal em São Paulo.
Ainda assim, a AGU (Advocacia-Geral da União) recorreu até o Superior Tribunal de Justiça contra ele. A anulação foi mantida e o caso foi encerrado em abril deste ano.
Em 2019, a força-tarefa da Lava Jato denunciou Fanton e outros policiais, sob a acusação de que eles violaram sigilo funcional e vazaram informações confidenciais da operação.
Os denunciados negam as irregularidades e afirmaram que têm sido perseguidos pelos procuradores.
Os procuradores, por sua vez, dizem que eles revelaram dados sigilosos de um inquérito que apurava a conduta de outros agentes federais e de advogados, suspeitos de tentarem produzir um dossiê contra a Lava Jato.
O Ministério Público Federal diz que os denunciados repassaram essas informações a outro delegado e também à CPI da Petrobras aberta no Congresso.
O caso tramita sob sigilo, mas a defesa de Fanton diz que já houve a prescrição das acusações. Ainda há um processo disciplinar contra o delegado a esse respeito, que ele tenta anular por meio de um processo na Justiça civil.
Fanton também apresentou a Appio notícia-crime no caso das escutas de Youssef.