Colunas
Tomar conta do mundo cansa

Tomar conta do mundo cansa

Que a correria diária não tire seu direito de escolha e que você, mesmo cansada, escolha ser feliz com os seus “nãos” bem-ditos

Daiana Allessi - quinta-feira, 23 de março de 2023 - 11:01

Hoje escreverei sobre o cansaço, e com cansaço, em uma digressão pessoal sobre a rotina que, com certeza, encontrará reflexo em inúmeras outras, de mulheres próximas, de desconhecidas, de mulheres que naturalizaram o cansaço e de mulheres resistentes à ideia de “guerreira” como um adjetivo.

A quem o seu cansaço aproveita? Já pensou nisso?

Se a resposta for de matriz egoística de puro e inabalável amor-próprio e foco individual, tudo bem, mas, se o aproveitamento extrapolar a solicitude e se transformar em mera servidão aos segundos, terceiros, amigos, família ou qualquer outra resposta que você possa dar, acho que vale a pena refletir.

Estamos cansadas, pelo menos é essa a interpretação que tenho das conversas que tive com tantas dignas mulheres nos últimos meses. Nós, (me incluo), dormimos e acordamos com a sensação de esgotamento, de inutilidade, um misto de paralisia com frenesi de quem sempre está correndo atrás de algo ou alguém, sendo o relógio um algoz feroz e impiedoso.

O que aconteceu com o mundo? Será que o mundo acelerou ou será que acumulamos mais tarefas do que podemos dar conta em mínimo equilíbrio com nossa saúde mental?

Embora todos e todas nós tenhamos ciência das tradições sociais, dos papéis atribuídos, ou impostos, da divisão sexual do trabalho e de todas as implicações dela decorrentes, hoje estou cansada. Sei que você que me lê também está, e tudo bem! Reconhecer limites, respirar e então continuar é natural do ser humano e você é humana!

Não quero mais ser chamada de guerreira, de heroína, de mulher- polvo ou qualquer outro adjetivo que tenha por objetivo demonstrar que eu estou fazendo bem um trabalho que não é meu, que não me cabe, que não é prioritário ou exclusivo ou que sobretudo, destrua a minha saúde mental.

Estar cansada não é incompatível com a alegria, com a felicidade e com a realização, na realidade, penso que cansar é consequência de todos esses sentimentos. O cansaço só é um problema quando ele te prende em um ostracismo de obrigações e lamentos. Eu ando muito feliz, por sinal, porém, cansada, e preciso te dizer que não há vergonha nenhuma em admitir isso.

Não há problemas em renunciar, só de vez em quando, a uma produção com maquiagem em prol de alguns minutos extras de sono, ou deixar algum afazer doméstico para assistir televisão, escolher estar em casa ao invés de sair, dizer não quando seu cérebro disser para dizer não, (confie nele pois, na maioria das vezes, o coração é vacilão), entre tantas outras escolhas que vocês podem e devem fazer.

Mas a principal mensagem que quero deixar é que você tenha opção. Que seu sagrado direito de decidir seja respeitado pelo outros, mas, sobretudo, por você. Ficar cansada é normal, deixar que te cansem que não é, pense nisso!

E, por mais que a vida seja cansativa, ela vale muito a pena. Meu sagrado direito de escolha tem sido priorizado sempre, e os “nãos” bem-ditos, ou melhor, benditos, tem sido a razão de uma canseira compatível com saúde mental. Então, desejo que você sempre tenha a possibilidade de escolher!

Para terminar e não cansar muito vocês, convenhamos, o cansaço físico é administrável, o que é enfadonho e inadmissível é o cansaço mental, ainda mais quando ele ocasionado por terceiros ou quartos na ordem de importância do dia, com opiniões de “quinta”, mais rasas que uma poça d’água e que tentam interferir no nosso sagrado direito de escolha e decisão.

Portanto, lembre-se, seu cansaço possivelmente diminuirá na mesma proporção dos seus bem-ditos e benditos “NÃOS.”

“Estou cansada. Meu cansaço vem muito porque sou uma pessoa extremamente ocupada: tomo conta do mundo.”
(Clarice Lispector, livro Água Viva)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

Siga nas redes:

Compartilhe