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Mundo corporativo e transição sustentável: o caso da Sanepar
Foto: Geraldo Bubniak/AEN

Mundo corporativo e transição sustentável: o caso da Sanepar

No início de fevereiro deste ano a Sanepar publicou seu Relatório anual de administração e demonstrações contábeis de 2023. É um Relatório detalhado sobre o que vem fazendo em relação ao tema da transição para uma sociedade sustentável. Por se tratar de uma das mais icônicas empresas do Estado do Paraná, pareceu-me útil, a partir […]

Carlos Strapazzon - terça-feira, 26 de março de 2024 - 16:46

No início de fevereiro deste ano a Sanepar publicou seu Relatório anual de administração e demonstrações contábeis de 2023. É um Relatório detalhado sobre o que vem fazendo em relação ao tema da transição para uma sociedade sustentável. Por se tratar de uma das mais icônicas empresas do Estado do Paraná, pareceu-me útil, a partir dela, avaliar o que grandes empresas podem fazer nesse tema.

Como sabemos, a atividade principal da Sanepar é captar, tratar e distribuir água, coletar e tratar esgotos sanitários para 345 municípios do Estado do Paraná e 01 de Santa Catarina. Com isso, 60% das suas receitas vêm das contas de água e 37% de serviços de esgoto. A Sanepar é uma empresa de capital aberto e o Paraná é seu maior acionista (60% de seu capital). Há 12,7% que está sob controle de capital estrangeiro e 27% com outros investidores. Dentre os seus ativos mais valiosos estão os sistemas de água e de esgoto de uma área que alcança 345 municípios do Paraná e que tem o valor estimado de R$ 10,3 bi, de um total estimado de R$18,3 bi em seus ativos.

Inicialmente, destaco que a Sanepar adota os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) em seu planejamento e gestão, desde 2019. Nessa linha, criou a Diretoria de Inovação e Novos Negócios para desenvolver o que chama de “inovabilidade”: ou seja, a estratégia de inovação aliada com sustentabilidade. Em decorrência disso, assumiu compromissos internacionais, como a adesão ao grupo de 300 líderes mundiais focados em Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados à água, estabeleceu parceria com Câmara de Comércio e Indústria Brasil – Alemanha para estudar a produção de hidrogênio renovável a partir do esgoto no Paraná. Essa perspectiva dos ODS também levou a Sanepar a adotar um plano de mitigação e adaptação às mudanças climáticas; um inventário de gases efeito estufa com um programa que busca reduzir a emissão desses gases em seus processos internos; também criou um plano de eficiência energética e um programa de conversão do lodo de esgoto em adubo para uso agrícola, junto com uma nova metodologia de análise e soluções de problemas de perdas de água.

Para termos uma ideia, em 2023, a Sanepar reciclou 24.207 toneladas de lodo (higienizado) gerado a partir do tratamento do esgoto em 28 Unidades de Gerenciamento de Lodo (UGLs) de Estações da Sanepar. O produto (biossólido) foi doado a 144 agricultores, de 57 municípios, promovendo a correção de solo e aporte de nutrientes e matéria orgânica para mais de 2.845 hectares agricultáveis.

Na gestão de áreas degradadas, desde janeiro de 2022 a Sanepar desenvolve ações no entorno do futuro Reservatório Miringuava. Os serviços envolveram descompactação e correção do solo, adubação, controle de espécies daninhas, e o plantio de 147.849 mudas de 32 espécies arbóreas nativas, perfazendo uma área total recuperada de cerca de 122 ha. Em 2023, foram plantadas 50.832 mudas, compreendendo uma área de 34 ha. A Sanepar também comprou 100 ha adjacente a um dos maiores remanescentes de Perobas do Paraná, visando a preservação desse ecossistema.

Em 2023, a Sanepar adquiriu a totalidade das ações da CS Bioenergia S.A, assumindo seu controle e gestão. Essa companhia tem como objetivos a exploração e destinação final adequada de resíduos sólidos, orgânicos e do lodo, além da produção de biogás e geração de energia através do processo de biodigestão.

Atenta aos efeitos multiplicadores de suas iniciativas, a empresa passou a exigir de fornecedores os mesmos padrões éticos e de responsabilidade social e ambiental.

Olhando para a sua atividade principal, a Sanepar atende, hoje, 100% da população urbana do Paraná, em relação à água tratada. Quanto à coleta de esgoto, cobre 80,2% dos municípios. Tem 6.121 empregados, uma folha de salários de aproximadamente R$1,2 bi/ano, além de política de previdência privada e de participação nos lucros para todos os empregados. Além disso, implantou política de diversidade de gênero e racial.

Como todas as empresas que estão engajadas na agenda da transição sustentável, a Sanepar também tem desafios importantes pela frente. Do ponto de vista interno, apenas 21% de seu quadro de pessoal são mulheres. Em relação a investimentos futuros, o Paraná ainda tem 135 municípios menores sem sistema de esgoto e o novo marco legal do saneamento impôs metas para 31.12.2033. Até lá, 99% da população urbana deve ser atendida com água potável e 90%, com coleta e tratamento de esgoto. A empresa já aumentou investimentos no saneamento rural e em comunidades quilombolas e aldeias indígenas, embora limite seus investimentos a 0,15% da receita líquida de água e esgoto do ano anterior.  Além disso, adotou política de suspender o corte de serviços por motivo de inadimplência, o que beneficiou 734 mil famílias e 50 mil empresas, de Jan/20 a Jun/23. Tudo isso num quadro de mudança de sua política tarifária, pois desde 2017 a Companhia deixou de praticar a tarifa por custos e passou a utilizar o modelo de tarifa econômica e de administração de endividamento. Por outro lado, a Sanepar foi a primeira empresa pública do país a emitir Títulos Sustentáveis e Azuis, ao captar R$ 400 milhões em debêntures para financiar projetos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.

Outros desafios vêm com a mudança climática. Recentemente, o Paraná enfrentou dois eventos climáticos extremos: a estiagem (2020 e 2021) e as chuvas intensas de 2023, na bacia do rio Iguaçu, que representaram 60% da precipitação anual em apenas três semanas de outubro e novembro. Diante desses sinais, a Sanepar revisou a política de sustentabilidade hídrica e aprovou, em 2022, o Plano Estratégico de Mitigação e Adaptação às Mudanças Climáticas para reduzir os riscos de escassez de água.

A empresa também enfrenta processos judiciais ambientais, relacionadas a autos de infração emitidos por órgãos ambientais Municipais, estadual e Federal, motivadas por: i) Vazamento e extravasamento de redes coletoras de esgoto; ii) Deficiências no licenciamento ambiental; iii) Lançamento de efluentes das estações de tratamento de esgoto em desacordo com os parâmetros exigidos pela legislação; e iv) Destinação incorreta dos resíduos (lodo) decorrentes do tratamento.

Apesar de ainda não estar listada no segmento do Novo Mercado, que é o mais exigente da bolsa de valores do Brasil (B3) em termos de transparência, governança e sustentabilidade, em janeiro de 2023 a Sanepar se destacou como a única empresa do setor de água e esgoto a compor o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da B3, relativo ao cumprimento de critérios ESG e, em 2023, passou a integrar o IDIVERSA, primeiro índice de diversidade com foco em gênero e raça da B3.

A Sanepar completou 60 anos em 2023. E apesar dos desafios, a performance da empresa foi reconhecida, em seus aspectos administrativos e financeiros, pelas agências de classificação de risco Fitch e Moody’s, que confirmaram o rating AAA (bra), ou seja, empresa com um perfil financeiro sólido. E pelo terceiro ano consecutivo foi reconhecida pelo ranking do Jornal Valor Econômico/Strategy&, como a empresa de infraestrutura mais inovadora do país.

Nas próximas colunas vamos analisar outras empresas. Há muitas coisas importantes acontecendo na agenda empresarial da transição sustentável. O caso da Sanepar é um bom exemplo.

Carlos Luiz Strapazzon, Doutor
Professor em Programas de Pós-Graduação em Direito (Mestrado e Doutorado)
UNOESC e Universidade Positivo

Pesquisa a regulação da segurança social e do desenvolvimento sustentável
contatos: [email protected]

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