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Reconhecimento e igualdade? No futebol feminino, ilusão!

Reconhecimento e igualdade? No futebol feminino, ilusão!

As atletas seguem “fintando” os preconceitos com objetivo de receberem o merecido reconhecimento. Até quando um esporte será culturalmente masculino? Sigamos com esperança em tempos melhores!

Daiana Allessi - sexta-feira, 28 de julho de 2023 - 09:00

Sempre fico indecisa sobre qual polêmica relativa à questão da desigualdade de gênero escreverei, porém, motivada pela Copa do Mundo Feminina da FIFA que iniciou no último dia 20 falarei sobre mulheres e futebol.

Lembro-me bem que durante a Copa do Mundo que aconteceu no ano passado, falei sobre os entraves para que as mulheres pudessem praticar esportes e serem reconhecidas como árbitras de futebol. Somente na Copa de 2022, um jogo masculino de mundial foi apitado por uma mulher.

A indignação é um sentimento constante em minhas reflexões, sobretudo quando penso que proibições legais foram impostas às mulheres sob a justificativa de que determinadas questões, como o futebol, não eram para elas, pois poderiam ferir sua “feminilidade”.

É cansativo relembrar e constatar que atualmente, esses rótulos impostos seguem causando estragos e atrasando o desenvolvimento de seres humanos, por causa de uma cultura patriarcal imposta, arbitrária, sem cientificidade ou possibilidade de ser universalizada.

Como contar uma história única, hierarquizando pessoas e propagando desigualdades? 
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que no Brasil, as mulheres ainda recebem 22% menos do que os homens, e essa desigualdade de gênero acontece em todas as profissões, inclusive quando falamos das jogadoras de futebol.

Assim como todo avanço feminino foi extremamente custoso e difícil, chegar a um mundial de futebol é uma tarefa árdua e que escancara as assimetrias de gênero, sobretudo quando falamos em patrocínio e salários.

O futebol, enquanto praticado por mulheres, ainda sofre os efeitos dos estereótipos negativos de não ser “coisa de mulher” e inclusive teve sua prática profissional cerceada pelo Decreto-Lei 3.199 de 14 de abril de 1941, assinado por Getúlio Vargas, que proibia as mulheres de praticar esportes que não fossem “adequados a sua natureza”.

Friso que essa proibição perdurou até o ano de 1979 e criou várias barreiras para o desenvolvimento feminino no futebol, e facilmente percebemos a herança negativa que esse rótulo de “o futebol não é coisa de mulher” criou para as atletas, começando pela regulamentação do esporte e sua prática por mulheres que ocorreu somente no ano de 1983, ano que se formou a primeira seleção brasileira.

Além do imaginário popular que desvaloriza o futebol feminino, percebemos ausência de publicidade, de torcida, de remuneração e patrocínio adequados e minimamente razoáveis, se comparados com os dos atletas masculinos.

Mais uma Copa que a nossa craque Marta, eleita seis vezes a melhor jogadora do mundo pela FIFA, entra em campo sem patrocínio em sua chuteira. Não se conformou em ser diminuída e ter recebido oferta de patrocínio ínfimo se comparado com o de craques masculinos. Fez bem e fez certo!

Compare que os ganhos anuais de Marta, segundo informações do jornal espanhol “Marca” atingem 400 mil dólares por ano, já Neymar, que nunca foi eleito o melhor jogador do mundo, teve rendimentos anuais, apontados pela “Forbes” de aproximadamente 50 milhões de dólares.

Aí eu me questiono, será falta de competência da Marta? Futebol fraco? Falta de garra? Não, definitivamente não, essa discrepância bizarra na remuneração entre os citados atletas, atribui-se a várias possibilidades como o machismo histórico e patriarcal, a falta de incentivo, as amarras legais, o sexismo, a desigualdade de gênero social e no esporte e mais uma lista de atributos que se eu escrevesse deixariam o texto monótono. Monótono, mas real, infelizmente.

Há uma abissal diferença entre as premiações oferecidas pela FIFA entre as seleções masculina e feminina, pois enquanto esta receberá 150 milhões de dólares a serem repartidos entre as seleções femininas, as masculinas receberam 440 milhões de dólares na Copa do Qatar. Perceba que os discursos, sejam nacionais, sejam da FIFA estão totalmente descolados da realidade e não há efetiva promoção da igualdade de gênero.

Então, muitos podem pensar (e efetivamente pensam), que as mulheres não jogam como homens, que mulheres não despertam a emoção do futebol tupiniquim, que mulheres blá blá blá. De fato, mulheres não jogam como homens, jogam como mulheres, com garra, com valor e com uma resiliência admirável em enfrentar, escalar e ultrapassar esses muros de machismo e estereótipos que até hoje tornam suas carreiras difíceis e extenuantes.

As atletas seguem fintando a desigualdade de gênero e mostrando seu valor! Que as promessas dos dirigentes da CBF, e a legislação que prevê igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre ambos os sexos possam surtir algum efeito.

Mas e você, o camisa 12 do time que pode virar esse jogo de desigualdade, o que você tem feito? Qual teu apoio? Afinal, se gosta de futebol, como esporte ele não tem sexo nem gênero, então, não tem desculpa para não torcer pela seleção feminina.

Sigo esperançosa na mudança das narrativas sociais, especialmente aqui no Brasil e que o gol de placa venha em nuances de igualdade de gênero e respeito!
 

“A valorização tem que vir de você primeiro, e não dos outros.”
(Marta Vieira da Silva, eleita 6 vezes a melhor jogadora de futebol pela FIFA)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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