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Ô abre alas que eu quero passar!

Ô abre alas que eu quero passar!

Carnaval, a folia masculina que foi mantida pelas mãos, vozes e criatividade de muitas mulheres que abriram as alas do preconceito para poderem passar

Daiana Allessi - quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023 - 12:00

O Carnaval, enquanto festa tipicamente brasileira não é somente confete e serpentina, é uma comemoração carregada de símbolos e de falsas mensagens que misturadas ao imaginário popular favorecem a reafirmação dos estereótipos e o apagamento das mulheres.

O carnaval desenvolveu-se em nosso país a partir da prática portuguesa do “entrudo” que era uma brincadeira que antecedia à quaresma e era feita com o arremesso de líquidos com odor (de qualquer tipo) nas pessoas, em ambiente público e mesmo de dentro das casas. 

Essa festividade era vivenciada de maneira camuflada pela elite dentro de suas residências e o restante da população, majoritariamente masculina, desfrutava a festa nas ruas. As mulheres quando podiam participar, o faziam de dentro de suas casas e aproveitavam qualquer momento para demonstrar seu interesse em alguém, jogando água de cheiro no escolhido que se aproximasse de sua janela.

A festa já começou com tom masculino e assim seguiu como as demais ramificações sociais que se formaram em nosso Brasil. Homens liberados para o espaço público e mulheres condicionadas ao espaço privado, da domesticidade.

O tempo passou, vieram os bailes de máscaras, os desfiles em carros alegóricos, as sociedades carnavalescas e as mulheres seguiram, pelo menos formalmente, como espectadoras desse movimento que, em regra, deveria servir para o lazer de todos e todas.

Com o movimento natural pela busca de protagonismo e mais espaços, as mulheres passaram, ainda que com “tutores,” a participar dos bailes carnavalescos e desfiles de carro com direito a vigilância, confete e serpentina.

Então, vieram os blocos, ranchos, escolas de samba e cordões e, embora elas conseguissem participar um pouco mais, estavam confinadas à costura das fantasias e à arrecadação de dinheiro na melhor versão utilitarista do “passe quase livre” das mulheres na folia.

É fato que mesmo com a usual tentativa de apagamento, as mulheres contribuíram para a construção e o fortalecimento da festa mais popular do Brasil

Alguém sabe o nome de alguma mulher protagonista nos festejos carnavalescos? Eu tive que pesquisar, pois confesso também não conhecia. 

Percebi que o Carnaval foi feito por mulheres que abriram as alas como Chiquinha Gonzaga, que foi compositora das primeiras músicas populares brasileiras, a baiana Hilária Batista de Almeida, a lendária Tia Ciata, a autora de sambas-enredo Dona Ivone Lara, a percussionista Dagmar da Portela, a dirigente de escola de samba Carmelita Brasil e tantas outras, que a história contada, sem perspectiva de gênero, tentou apagar.

Mas fomos, somos e seremos, sempre. Em todo lugar e até mesmo no carnaval. Abrindo alas, conquistando direitos e mostrando que lugar de mulher é onde ela quiser. 

E sobre machismo, comportamento durante as festividades, estereótipos, violência e tantos outros assuntos necessários, deixo para a próxima. Apenas faço questão de desejar boa folia a todos e todas, com responsabilidade e respeito.

E se você presenciar ou for vítima de importunação sexual, denuncie!

  • Ligue 180 – Central de Atendimento à Mulher 
  • Ligue 190 – Polícia Militar

“Ô abre alas que eu quero passar
Peço licença pra poder desabafar
A jardineira abandonou o meu jardim
Só porque a rosa resolveu gostar de mim (…)”

(Marcha de carnaval, Ô Abre-Alas, versão original da compositora Chiquinha Gonzaga em 1899)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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