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Gleba dos Bispos – a última fronteira

Gleba dos Bispos – a última fronteira

Publicitário e escritor, Elói Zanetti, resgata a área destinada aos bispos

Pedro Ribeiro - sábado, 8 de junho de 2024 - 11:13

Por Eloi Zanetti

Em 1956 o governador Moysés Lupion foi procurado pelos bispos de Jacarezinho, Foz do Iguaçu, Londrina, Maringá e Palmas; vieram pedir ajuda financeira para suprir as necessidades dos trabalhos comunitários que a igreja realizava no Estado. A solução que o governador encontrou foi doar uma grande área de terra pertencente ao Poder Público para que os bispados pudessem lotear e reverter a venda em benefício financeiro para usar no que pretendiam. A área de cinco mil alqueires – mil para cada diocese – está localizada no Oeste, próxima às fronteiras com Argentina, Paraguai e os rios Paraná e Iguaçu. Lupion encaminhou o projeto para a assembleia pedindo autorização para a doação e esse foi aprovado (Lei número 2672). A área passou a ser chamada de Gleba dos Bispos, mais tarde, Missal, o mesmo nome que se dá ao livro que orienta o sacerdote ao celebrar a missa.

Padre José Pascoalino Backes – um tipo inesquecível

Um padre gaúcho, natural de Inimbu, distrito de Santa Cruz do Sul – RS, nascido em 1915, foi o indicado pelo bispo de Jacarezinho Dom Geraldo de Proença Sigaud para tocar o empreendimento – uma gleba para alocar agricultores oriundos do Rio Grande do Sul, onde as formigas estavam acabando com as plantações. Na ocasião o Pe.Backes era sacerdote em Goioerê – PR e, Dom Geraldo, famoso pela sua linha ultra conservadora e um dos fundadores da TFP – Tradição, Família e Propriedade, já conhecia o trabalho do Pe. Backes quando este atuou em várias paróquias gaúchas arregimentando filiados para o PRP – Partido de Representação Popular no Vale do Taquari, fundado por Plinio Salgado e alguns ex-integralistas.

O Pe. Backes formou-se no Seminário Imaculada Conceição em São Leopoldo – RS, foi professor, diretor de colégio e da Universidade da Santa Cruz do Sul – RS. Ele foi o grande responsável pela Gleba dos Bispos dar certo; conversador, dinâmico e bom vendedor; figura polêmica, amado e odiado ao mesmo tempo. Classificado por uns como oportunista, dinheirista brigão e por outros como visionário, enérgico e administrador competente. Não bastando todas essas qualificações era bom atirador – usava as duas mãos, tinha boa pontaria e gostava de se gabar disso. Na escolha dos novos colonos para ocupar a área, privilegiava sempre os agricultores católicos de origem alemã e, como tal, não poderia faltar uma igreja na incipiente Gleba dos Bispos. O templo foi construído pelos próprios colonos e inaugurado em 1964, com o Pe. Backes rezando a primeira missa. Em 1988, ao visitar alguns parentes na região, o Pe. Backes sofreu um AVC e, ao ser levado de ambulância para Santa Cruz, o veículo capotou e ele acabou morrendo pelos ferimentos e não pelo AVC.

Muito da economia do Oeste do Paraná deve-se ao trabalho do padre Backes

Para dar amparo comercial aos colonos que chegavam a todo momento ele incentivou a constituição de uma cooperativa, a Comasil – Cooperativa Mista Agrícola Sipal Ltda.   (19/3/1964) que fazia as vendas dos lotes, tantos os rurais quanto os urbanos. As primeiras assembleias foram realizadas em uma meia-água, uma espécie de venda, onde se vendia de tudo: mantimentos, querosene, tecidos, bebidas, remédios, pregos, cordas, correntes, arames, fumo de rolo e até munição. As reuniões ocorriam à luz de lamparina e, os debates, para maior clareza nos entendimentos, eram feitos no idioma alemão, pois muitos colonos não se entendiam ou não sabiam se manifestar bem em português. Para gerenciar todo este processo foi chamado outro gaúcho, o professor Ignácio Aloysio Donel que acabou ficando 26 anos no posto e se tornando uma lenda no movimento cooperativista. A cooperativa cresceu, virou a Cotrefal e hoje é a gigante Cooperativa Lar de Medianeira.

Dos bunkers alemães na Normandia ao Oeste do Paraná para reconstruir a vida

Anton Josef Dasenbrock, convocado pelo exército do seu país, foi obrigado a participar da Segunda Guerra Mundial nas frentes de batalha na Normandia – Saint-lô – França. Dos 180 soldados do seu batalhão sobraram 13, entre eles, o Anton. Prisioneiro dos americanos foi transferido para a Inglaterra, Escócia e Estados Unidos em uma peregrinação que durou três anos. Liberto, voltou para a Alemanha e com o país devastado e poucas perspectivas de trabalho, resolveu migrar para o Rio Grande do Sul onde já moravam alguns familiares que vieram em levas anteriores. Fora a vinda dos portugueses ao Brasil, a primeira leva de imigrantes europeus foi a dos alemães iniciada em 1824.

 “Eu não queria ser empregado a vida inteira, trabalhando para os outros. Queria ser proprietário rural, ter moradia própria, estruturar família, construir alguma coisa na vida”, pensava Anton aos 25 anos e noivo da bela ucraniana, Elizabeth Klass. Primeiro veio ele e o irmão Bernard e, só um ano depois é que veio sua futura esposa e grande parte da família Dasenbrock, personagens importantes no desenvolvimento da gleba e da cooperativa.

Anton se estabeleceu em Rolande, Vale do Rio dos Sinos, região de São Leopoldo em uma chácara de meio hectare. Um dia ao ler o jornal Skt. Paulusblat – um tabloide católico editado em alemão em Nova Petrópolis, destinado aos colonos alemães no Brasil e distribuído nas igrejas aos domingos após as missas –  ficou sabendo da Gleba dos Bispos. Vendeu o pouco que tinha e em abril de 1964 com um caminhão alugado empreendeu uma viagem de 14 dias até a incipiente Missal. Naquela época, com o valor de um hectare no Rio Grande do Sul dava para comprar três no Paraná. A viagem de 890 km durava de 3 a 14 dias, dependendo das condições do clima, pois as chuvas tornavam as estradas intransponíveis e as cheias dos rios Uruguai e Iguaçu e Ocoy dificultavam a passagem. Nos caminhões vinham, além dos móveis e da família, bois, galinhas, cavalos, vacas, cachorro, gato… Tudo na carroceria.

As prestações dos terrenos comprados era rigorosamente cobrada pelo Pe. Backes que não deixava passar os 4% de juros ao mês. Os colonos pagavam a terra com o resultado das colheitas e da venda da farta madeira existente nas florestas da região. Missal nascia quando Medianeira já era município havia três anos e o seu desmembramento como município aconteceu em dezembro de 1981. No início, como toda colônia, a luta era pela sobrevivência: porcos, galinhas caipira, vacas de leite, mandioca e batatas garantiam a subsistência do grupo. Por volta de 1972 novas atividades agrícolas entram na região – fumo, soja, feijão e milho -, e com elas os equipamentos de destoca e mecanização rural. A partir daí o de desenvolvimento da Gleba dos Bispos foi exponencial.

Paraná – nossa vantagem está na mistura de povos

Certa vez estava conversando com o poeta Thiago de Mello sobre os diversos tipos humanos que fazem o Brasil e a nossa vantagem, a longo prazo, por ter esta rica mistura. Ele me disse: “Essa mesma conversa tive há muito tempo com o Gilberto Freire e ele me falou assim” – “Mistura de povos! – você precisa ver o que é o Paraná. Ali sim, tem mistura de povos”.

A Gleba dos Bispos foi a última área colonizada no Paraná, se recapitularmos a ocupação do nosso território veremos que cidades antigas já existiam: Curitiba, Paranaguá, Guarapuava, Guaraqueçaba, Castro, Ponta Grossa e os postos militares de Jataizinho e Foz do Iguaçu. Em 1888 nasceu a Colônia Mineira/Norte Pioneiro; em 1919 a região de Pato Branco e Francisco Beltrão; em 1929 Londrina; em 1947 Maringá. Temos que contar também com a colônia socialista Theresa Cristina em 1848 no Vale do Ivaí, conduzida pelo médico Dr. Faivre e a Colônia Cecilia em 1890, essa anarquista italiana, nas cercanias de Palmeira. Quando se olha mapas antigos do Paraná, final de 1800 e início de 1900, vê-se escrito sobre muitas regiões as palavras sertão desconhecido.

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