Economia
Mudança royalties de petróleo pode elevar receitas e destravar venda de refinarias

Mudança royalties de petróleo pode elevar receitas e destravar venda de refinarias

Proposta do governo Bolsonaro pode gerar uma nova guerra judicial com as petroleiras que operam no país, como ocorreu em 2017.

Nicola Pamplona - Folhapress - domingo, 23 de outubro de 2022 - 10:00

Uma proposta do governo Jair Bolsonaro (PL) para mudar o cálculo de royalties do petróleo três anos antes do previsto pode gerar uma nova guerra judicial com as petroleiras que operam no país, como ocorreu em 2017.

O governo defende que a medida eleva as receitas de estados e municípios produtores e destrava o processo de venda de refinarias da Petrobras, agenda prioritária para o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.

As petroleiras, porém, reclamam que a antecipação da revisão gera instabilidade regulatória e estudam ir à Justiça contra a proposta, que aproxima o preço de referência usado na cobrança dos royalties às cotações internacionais do petróleo.

O efeito mais visível da mudança é elevar a arrecadação com o petróleo em ao menos R$ 6 bilhões ao ano a partir de 2023. Mas há também um impacto tributário, que tornaria a venda doméstica do petróleo mais atrativa, que atende interesses da maior refinadora privada brasileira e de potenciais investidores em refinarias.

Quando o petróleo é vendido dentro do Brasil, o imposto incide sobre o valor da venda, que reflete as cotações internacionais do petróleo. Já nas exportações, a cobrança é aplicada usando o preço de referência, que é menor.

Na prática, vender para fora do país permite às petroleiras pagar menos tributo e ampliar sua lucratividade. A mudança no preço de referência atenuaria essa vantagem.

Em junho deste ano, a Acelen, dona da Refinaria de Mataripe, chegou a procurar o ministro Paulo Guedes (Economia), aliado de Sachsida, para pedir uma solução para o problema. A empresa disse que o preço cobrado pela Petrobras superava em US$ 2 o valor cobrado por barril nas exportações da petroleira.

Em agosto, Bolsonaro editou um decreto para antecipar a revisão de cálculo dos royalties, que estava prevista apenas para 2025, com início de vigência em 2026. Em seguida, segundo relatos feitos à Folha de S.Paulo, o MME encaminhou um ofício à ANP pedindo a análise do tema.

A proposta de mudança no cálculo dos royalties surpreendeu o mercado de petróleo, que alega que a mudança de regras prejudica investimentos já contratados e reduz a previsibilidade para projetos futuros, já que o governo não impôs um prazo mínimo entre revisões dos preços de referência.

Já as pequenas petroleiras reclamam que a proposta elaborada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) contraria determinação do próprio governo de incentivar a produção em projetos de menor porte.

“Muitas dessas empresas não conseguirão suportar o impacto financeiro desse aumento em suas atividades”, disse, em nota, o secretário-executivo da Abpip (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás), Anabal Santos Jr.

As companhias questionam ainda a afirmação de que terá efeitos sobre as exportações, já que as vendas internas são encarecidas pelo ICMS, que não incide nem em exportações nem em importações de petróleo.

Os royalties são uma compensação financeira pela extração de recursos naturais, paga à União e aos municípios e Estados produtores. São calculados sobre o preço de venda da produção ou sobre um preço de referência estabelecido pela ANP, o que for maior.

Em 2021, as petroleiras recolheram o valor recorde de R$ 78,4 bilhões em royalties e participações especiais, espécie de imposto de renda cobrado sobre os grandes campos.

No primeiro semestre de 2022, com o petróleo em alta após o início da guerra na Ucrânia, a arrecadação somou R$ 51 bilhões.

O preço de referência simula o valor de cada tipo de petróleo extraído no país de acordo com a variedade de combustíveis que ele produz. Se um petróleo é mais leve, produz derivados de maior valor agregado e, portanto, deve custar mais caro.

Para justificar a antecipação da revisão do preço de referência, o governo alegou que o cenário mudou com a pandemia, a guerra na Ucrânia e com maiores restrições às emissões de enxofre pelo transporte marítimo, o que valorizou o petróleo do pré-sal (que tem baixo teor dessa substância).

No entanto, pessoas envolvidas na discussão admitiram à Folha de S.Paulo, sob condição de anonimato, que a proposta é fundamental para a privatização das demais refinarias da Petrobras, agenda que está na lista de prioridades de Sachsida.

A dificuldade de acesso à matéria-prima e a falta de contratos de suprimento são pontos levantados por investidores que chegaram a negociar com a estatal. A Petrobras colocou oito refinarias à venda, mas só conseguiu avançar em duas, em Manaus e na Bahia.

Procurado, o MME não respondeu a questionamentos sobre impactos da mudança na venda das refinarias. A pasta encaminhou uma nota, publicada em agosto, em que afirma que a revisão do cálculo dos royalties “garante o adequado retorno para a sociedade sobre a produção dos recursos petrolíferos nacionais”.

“A medida mantém a governança, segurança jurídica e previsibilidade do processo regulatório, que são forças motrizes para atração de investimentos e desenvolvimento da produção petrolífera brasileira”, disse a pasta. A nota também elenca os fatores técnicos que subsidiaram a proposta de alteração.

O cálculo dos royalties foi revisto pela última vez em 2017, com vigência a partir de 2018, também com o objetivo de reduzir o desconto entre o preço de referência e a cotação do Brent, referência mundial de preços negociada em Londres.

O processo foi conturbado, alvo de ações judiciais das petroleiras e do próprio governo federal, mas acabou sendo concluído por força de liminar judicial pedida pelo governo do Rio de Janeiro, principal beneficiado.

O governo Michel Temer (MDB) cedeu à pressão de petroleiras e criou um período de transição para a adoção da nova fórmula, além de impor um prazo mínimo de oito anos para nova revisão, o que foi desfeito com o novo decreto de Bolsonaro.
Acelen e IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), que reúne as grandes petroleiras, não se manifestaram.

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