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Somos grãos de areia no oceano

Somos grãos de areia no oceano

Que toda contrariedade e ignorância sejam força motriz para que façamos o que nossa humanidade julga como correto. Que sejamos potentes e, ao mesmo tempo, persistentes “grãos de areia” no oceano da vida

Daiana Allessi - quinta-feira, 15 de junho de 2023 - 15:00

O ritmo frenético dos últimos dias me levou a silenciar e refletir sobre algumas questões que já nos primeiros pensamentos eu considerei banais e derrotistas, mas que com um pouco mais de associações e clareza percebi que foram essenciais para uma breve parada, um fôlego novo e a retomada.

Escrevo essa narrativa para contar que desde que comecei a explorar um pouco mais o mundo digital fiquei muito impactada com a realidade cotidiana que envolvem a “mulher”.  Eu e minha equipe estabelecemos um sistema de alerta no Google que nos notifica sempre que são publicados artigos com determinados termos escolhidos e que estão alinhados com minhas pautas e estudos e uma dessas palavras-chave foi “mulher”.

O resultado disso é que diariamente a minha caixa de entrada é inundada com postagens e reportagens relacionadas ao tópico escolhido e os resultados têm sido mais desanimadores do que eu poderia ter previsto. Discriminação, feminicídio, sequestro, violência doméstica, assédio, ódio, entre muitos outros horrores.

Essa análise sobre a naturalização das múltiplas violências e da enorme taxa diária de silenciamentos, letalidade e ofensas me deixaram alarmada com a realidade cotidiana de um mundo que parece relutar em compreender a urgência da situação que enfrentamos enquanto humanidade.

A impressão que tenho é que atualmente, o pensar social e das redes funciona na contramão do óbvio, ou seja, tudo ocorre da maneira improvável e diria até imoral, sobretudo quando esses assuntos são lançados para a mídia mainstream ou alternativa, pois, enquanto mulheres contra hegemônicas e que não calam diante de atrocidades, somos frequentemente menosprezadas, ridicularizadas e/ou silenciadas.

Já abordei esse tema em várias colunas publicadas, porém, o que antes era uma dúvida, hoje tenho como certeza, e sim, temos um teto de vidro, uma barreira ideológica, familiar, política ou de chacota recreativa que acaba por impedir que ideias, textos e informações fomentem a atitude (necessária e urgente) de respeito e segurança para todas nós, mulheres.

Essa realidade pesada me levou a questionar se vale a pena escrever, pesquisar, informar e sobretudo, me expor, tentando mudar a narrativa social posta, repleta de crueldade, ignorância e injustiça.

O silenciamento, ou a sensação dele, é extremamente desestimulante e beira ao pavor, daqueles que sentimos quando acordamos de um pesadelo no qual não conseguimos correr ou gritar. É imobilização mental, é um ócio colonial, é ruim. Sentimento ruim define de maneira clara e objetiva.

A magia de tudo isso é que o universo sempre encontra uma maneira de me lembrar que não devo pensar assim. Há algumas semanas recebi uma mensagem comentando sobre um artigo que escrevi abordando a violência que as mulheres indígenas sofrem. Essa pessoa me disse que ficou surpresa ao ver alguém não indígena abordando um tema tão importante em relação às mulheres, ainda mais pertencentes a um nicho tão específico. Também tive a feliz experiência de receber o feedback de um colega que após ler uma coluna que escrevi, identificou comportamentos abusivos e tóxicos praticados por seus familiares, bem como, outras mensagens inesperadas e potentes que indicam que sigo no caminho certo.

Da maneira mais incrível e inesperada, o universo reflete a luz que irradiamos e ilumina nossas vidas de maneira tão irrenunciável que nunca mais conseguimos ficar longe da claridade representada no reconhecimento da humanidade do outro. Textos, incentivos, postagens, informações, palavras, tudo parece muito efêmero, mas possuem uma potência enorme, o poder de mudar ideias, de causar reflexões e de transformar vidas.

A frase: “Um grão de areia no oceano” nunca foi tão relevante!

Para muitas pessoas esse minúsculo grão é insignificante, mas é a sua união coesa que nos permite sentir o mar sob nossos pés. E cheguei à conclusão de que eu sou esse grão e você também é.

Todos e todas nós somos grãos de mudança!

E se eu senti desânimo, não sinto mais, pelo contrário, sigo na repetitiva tentativa de fazer diferente, de viver como eu acredito que é certo, de quebrar paradigmas e, ainda que eu seja apenas um grão nesse imenso mar de rótulos e desinformação, continuar em frente sempre, pois é sobre todas e cada uma de nós!

E, nessa união de grãos de areia, formaremos uma base para que as mulheres, para que TODAS as mulheres, possam sentir o oceano da liberdade sob seus pés.

Há uma força motriz mais poderosa que o vapor, a eletricidade e a energia atômica: a vontade.”
(Albert Einstein)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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