Silvia Federici tem razão!
A questão do trabalho de cuidado invisibilizado e a necessidade de letramento para mudar as narrativas de desigualdade de gênero no Brasil. Um apelo à consciência e ação.
As últimas semanas trouxeram à tona tantas reflexões novas sobre assuntos velhos, batidos, mas que ainda precisam de debate consciente e de letramento.
Quando falo em letramento, me refiro ao estudo, ao entendimento e à vontade de compreender os fenômenos históricos e sociais que nos atingem das mais variadas formas. É despir-se de visões obtusas que de tanto serem repetidas ganharam status de verdade absoluta.
Estou sempre tentando escrever sobre novas perspectivas e necessários modos de agir e pensar coletivamente, e ainda assim, me sinto incapaz de modificar algumas condutas de pessoas, que sem vontade de refletir ou buscar informações fidedignas, e assim compreender como a nossa história, enquanto Brasil, nos esculpiu como sociedade automatizada e desinteressada em mudar as narrativas sociais.
O mês de outubro recém terminou e preciso lembrar, que além das tradições importadas e que dizem muito sobre o pertencimento dos brasileiros e brasileiras, o show de horrores e a caça às bruxas continua. E não muito diferente do que a história conta, as bruxas atuais continuam sendo as mulheres que desafiam o sistema patriarcal e as múltiplas opressões.
Diferentemente das fogueiras medievais, as mulheres contemporâneas são atingidas pela sofisticação da violência que toma forma na manutenção da desigualdade de gênero, nos preconceitos, nos abusos e no apagamento social da mulher como ser humano e detentora de vontades e direitos.
E a prova do Enem, aplicada no último domingo, de maneira pontual jogou luz sobre um problema persistente e que mantem o sistema de hierarquização do masculino sobre o feminino. O trabalho de cuidado não remunerado, que segue invisível, rotulado como atribuição “natural” das mulheres e que impede o avanço da cidadania e da justiça social de milhões de brasileiros e brasileiras.
Pois, a invisibilização desse trabalho de cuidar, a imposição e naturalização dele como inerente ao feminino, causa efeitos nefastos na autonomia e nos desejos pessoais e profissionais, bem como, faz com que a economia do cuidado perpetue estereótipos e opressões diferenciadas em relação aos pontos interseccionais que perpassam as muitas mulheres em suas individualidades e realidades.
E quem cuida de quem cuida?
Sobrecarregar as mulheres é uma prática que deve ser descontinuada. O trabalho do cuidado precisa ser dividido, naturalizado e combinado para que tanto os homens como mulheres sintam-se responsáveis por ele, desde a pia suja de louça ou a ida com o filho (a) ao pediatra. E não basta apenas conscientização social, precisamos de política públicas eficazes, voltadas à efetivação de práticas mais justas e democráticas.
Mudar a maneira de pensar implica em exigências sociais para que o Poder Público implemente medidas que possibilitem a divisão da sobrecarga doméstica das atividades de reprodução e cuidado. Necessitamos de escolas e creches em período integral, licença parental compartilhada, naturalização na esfera trabalhista do exercício desse “trabalho invisível” por homens e por aí vai…
Então, lembre-se que as atividades de cuidado que sua avó, mãe, irmã, esposa, namorada e demais mulheres que você conhece praticam, não é obrigação delas e não é responsabilidade exclusiva, pois, decorre de uma imposição secular do sistema patriarcal-capitalista e esse sistema precisa ser rompido.
Minha dica, olhe ao redor e observe, não é possível que você ache razoável a realidade atual ou deseje para as outr(AS) o que você não gostaria para si. E se ainda restarem dúvidas, pesquise, leia, estude, pois tenho certeza de que para além do aprendizado, haverá a descoberta que um país melhor e mais justo depende de todos e todas nós!
Esse assunto do trabalho do cuidado invisibilizado é SOBRE TODAS E CADA UMA NÓS!
“Eles dizem que é amor. Nós dizemos que é trabalho não remunerado.”
(Silvia Federici em “O Ponto Zero da Revolução”, p. 40.)