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O valor do jornalismo na era digital

O valor do jornalismo na era digital

A “epidemia de desinformação” na pandemia e os retrocessos democráticos em todo o mundo galvanizaram um debate global sobre políticas públicas de apoio ao jornalismo independente

Redação - sábado, 22 de abril de 2023 - 09:49

 

Em editorial deste sábado, 22, o jornal digital Estadão aborda um tema bastante discutido nos dias atuais quando as redes sociais passaram a discutir temas variados da vida dos cidadãos com destaque para a política.

A remuneração de conteúdos jornalísticos utilizados pelas redes digitais é uma questão de justiça comercial, de fortalecimento da democracia e de autointeresse das próprias redes

A “epidemia de desinformação” na pandemia e os retrocessos democráticos em todo o mundo galvanizaram um debate global sobre políticas públicas de apoio ao jornalismo independente e à difusão de notícias confiáveis. Neste contexto, mais de dez entidades representativas do setor de comunicação brasileiro publicaram um Manifesto Pela Valorização do Jornalismo. “O jornalismo de interesse público é a principal arma da sociedade para combater a desinformação e um importante instrumento para o exercício do direito de acesso à informação”, adverte o Manifesto. “Um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio” é “essencial para a manutenção da própria democracia.”

Como afirma o Manifesto, os debates sobre o Projeto de Lei (PL) das Fake News (2630/20) são uma oportunidade para avançar a discussão sobre a justa remuneração aos veículos de imprensa pelo conteúdo produzido por eles e utilizado pelas redes digitais.

À medida que as pessoas passaram a consumir cada vez mais as notícias online houve uma desconexão entre os produtores de conteúdo, a publicidade que o financia e o público que precisa dele. As notícias apuradas pela imprensa são veiculadas pelas redes na forma de trechos; os trechos são acessados e compartilhados pelos usuários, sem que cheguem a ingressar nas plataformas jornalísticas; e as receitas de publicidade são absorvidas pelas redes. No caso, o duopólio Google-Facebook domina o mercado de publicidade digital e controla a infraestrutura de distribuição e remuneração dos conteúdos.

Em todo o mundo empresas de comunicação e governos têm examinado formas de repassar parte dessas receitas aos seus produtores. A Austrália promulgou em 2021 uma legislação pioneira criando um sistema de arbitragem que força as redes a negociar diretamente com os produtores. Esse é o modelo aventado no PL das Fake News.

Os críticos, no entanto, advertem para o risco de que os pequenos produtores sejam preteridos nas negociações em favor das grandes empresas de mídia. Uma outra opção seria análoga ao mercado de streaming, especialmente de música. Para tanto, seria preciso criar uma instituição independente, que registraria os produtores, monitoraria a utilização de seu conteúdo e recolheria e distribuiria receitas obtidas com licenças de uso. Há ainda uma terceira opção que prevê a tributação das receitas da publicidade digital e a canalização de parte da arrecadação para o jornalismo independente e de interesse público. Talvez uma abordagem sistêmica para uma solução sustentável seja a combinação ou justaposição dos três modelos.

Para que o debate seja conduzido com transparência rumo à satisfação do interesse público, há algumas precondições que deveriam ser observadas pelas partes envolvidas. O poder público deveria exigir que as redes forneçam mais dados sobre o tráfego e a monetização dos conteúdos. Os próprios veículos de comunicação precisam aprimorar seus métodos de coleta e análise de dados para melhor entender as relações entre tráfego, publicidade e monetização. Mais importante é que eles se conscientizem de que, sem solidariedade e uma abordagem coletiva, não serão capazes de equilibrar minimamente a relação assimétrica de poder com as Big Techs.

Seja qual for o modelo, o fato é que a remuneração pela utilização dos conteúdos é uma questão de justiça, de interesse público e do autointeresse das próprias redes. Primeiro, porque é injusto que elas lucrem com conteúdos sem compensar os seus produtores. Depois, porque não se trata de um conteúdo qualquer: notícias confiáveis produzidas – a custo alto – por veículos independentes são vitais para a manutenção e o vigor do pluralismo democrático. Por fim, justamente em razão dessa missão, a imprensa é hoje o principal antídoto contra o conteúdo tóxico disseminado por multidões de usuários mal-intencionados das redes, como os discursos de ódio e desinformação, que tanto têm contribuído para o seu descrédito, gerando ameaças de controle e punição por parte dos governos.

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