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O levante das mulheres no Brasil se faz com coragem e resiliência

O levante das mulheres no Brasil se faz com coragem e resiliência

Como as mulheres estão se mobilizando para buscar maior participação no mundo dos negócios no Brasil. 50 executivas se reúnem em Florianópolis.

Pedro Ribeiro - domingo, 12 de março de 2023 - 21:08

O dia da mulher não termina no apagar das luzes do oito de março de cada ano. Ele continua no dia seguinte, na empresa, no lar, na bancada da universidade, na escola. O dia da mulher é eterno, porque ela é corajosa, uma fortaleza, onde quer que esteja. É banhada de resiliência e disciplina.

Domingo, dia 12 de março, chuva em Curitiba, como sempre, preciso de personalidades femininas para fechar um texto descrevendo a participação cada vez crescente da mulher no mundo executivo, empresarial e de negócios. 

O foco era uma reunião de mulheres executivas patrocinada pelo WTC realizada na semana em Florianópolis. Me referi ao domingo porque ousei em telefonar para cinco destacadas mulheres, entre elas Ana Paula e Sandra Comodaro, residentes em São Paulo, que me atenderam com gentileza.

La estavam 50 executivas e empresárias de destaque nacional e internacional ouvindo palestra de Ana Paula Kagueyana, head global da PayPal. Não poderia ter sido diferente: aplaudida com entusiasmo e euforia pelo seleto grupo de mulheres, entre elas a presidente do WTC Sul, Daniella Abreu.

CORAGEM COMO ALIADA A OPORTUNIDADES

“A coragem sempre foi uma grande aliada na minha história. Sempre enxerguei os problemas como grandes oportunidades. Trabalhei em dois grandes bancos e tomei a decisão corajosa de sair de uma grande empresa com 65 mil funcionários para começar uma nova história em uma empresa global, à época com apenas 5 empregados no Brasil. Uma jornada difícil, com muitas barreiras, mas obtive ajuda de grandes e corajosas mulheres e também de homens”, nos relata Ana Paula.

Ana Paulo desenhou, em sua conversa com as executivas e empresárias, a importância do espírito colaborativo entre as mulheres. “Sabemos as vozes que temos internamente e como lidamos com todas de forma harmônica”.  

A líder executiva lembrou que usou a referência masculina para ajudá-la em seus meus comportamentos, mas “sempre com a atenção de manter o aspecto mais bonito da mulher, o lado humano e delicado”. As referências, no entanto,  “me ajudaram a não querer fazer muitas coisas ao mesmo tempo, algo que e da nossa natureza. Isso não é saudável e nos faz perder o foco”.

Na semana passada, quando esteve em Curitiba para anunciar investimentos de R$ 1 bilhão, conversei com a presidente WTC Sul, a CEO Daniella Abreu que acredita haver, hoje, uma quebra de paradigma e um forte movimento expansionista da mulher.

MULHERES GANHAM ESPAÇO NAS TOMADAS DE DECISÕES

“Acredito que as mulheres têm coragem para isso, muitas vezes o que falta é essa integração para networking e oportunidades de negócios. O mercado internacional é bom quando o cenário nacional é estável e é melhor durante as turbulências, tanto políticas quanto econômicas. São os momentos em que precisamos investir mais na internacionalização dos negócios”, observou.

 “Apesar de o ambiente corporativo e empresarial ainda ser majoritariamente masculino, as mulheres estão ganhando espaço na gestão e tomada de decisões. Por isso são bem-vindas iniciativas de estímulo, treinamento e capacitação para que novas mulheres ocupem esse espaço. Capacidade para tanto, todas nós temos”, pontuou Daniella.

JUNTAS, NÓS, MULHERES, PODEMOS FAZER O INÉDITO

A advogada Sandra Comodaro que esteve presente no encontro de Florianópolis, destacou a palestra de Ana Paula Kagueyama e disse que sempre foi uma grande defensora dos direitos humanos, em especial das mulheres no ambiente corporativo e estar presente com líderes que transformam a história é sinal que estamos no caminho certo” 

“Sozinhas pouco podemos fazer, mas, nós mulheres juntas faremos o inédito”, observou Sandra, ao afirmar que o WTC é uma entidade que tem orgulho de compor o conselho estratégico no Sul do Brasil”.

ENTRAR EM AMBIENTE DOMINADO PELO HOMEM É DESAFIADOR

Para a advogada curitibana, Daiana Alessi Nicoletti, “as mulheres que ocupam cargos no alto comando corporativo sentem as consequências da desigualdade de gênero, seja pela sobrecarga das funções socialmente atribuídas ao gênero feminino, em casa ou no trabalho. A mulher que ocupa cargos majoritariamente masculinos precisa a todo tempo enfrentar os preconceitos e provar sua competência na atividade profissional exercida”. 

Segundo Daiana, a sociedade patriarcal projetou espaços desiguais para homens na esfera pública, do poder e da decisão e mulheres, na esfera privada, da reprodução e do cuidado, e adentrar em um ambiente historicamente dominado por homens é desafiador. 

Cada vez mais, avalia, a diversidade e a igualdade de gênero se tornam pautas necessárias para o desenvolvimento social e a inovação corporativa, pois, quando o ambiente de trabalho é permeado com diferentes perspectivas sociais, as companhias só têm a ganhar, seja pela cultura em direitos humanos, seja pela multiplicidade de soluções e estratégias que um ambiente inclusivo proporciona.

O RECONHECIMENTO DE QUE AS MULHERES SÃO CIDADÃS

Do ponto de vista psicológico, minha ilustração vem da mestre em Psicologia e professora, Adriana Bigliardi. 

Ela inicia a entrevista perguntando: “Já parou pra pensar que em nossa cultura as pessoas acreditam que o sucesso de um departamento e de um empreendimento sempre está associado a “um cara” do sexo/gênero masculino?”.

Ela mesmo responde: O fato é que nossa sociedade masculiniza as funções bem sucedidas, como se as mulheres não tivessem capacidade de ocupar posições de destaque e se saírem bem nos negócios. Mas é preciso desconstruir este modelo de pensamento arcaico, em que as mulheres ocupam apenas os bastidores e só podem se sair bem em funções domésticas”. 

Adriana também cita a grande máxima de que “atrás de um grande homem existe uma grande mulher” é um exemplo clássico de como nossa cultura sustenta as relações assimétricas de poder e as desigualdades de oportunidades entre homens e mulheres.

Na frase em questão, segundo ela, contém uma mensagem subliminar de que uma mulher, ainda que seja uma grande mulher, não deve estar ao lado de um grande homem, mas deve se manter atrás dele, para ajudá-lo a ter sucesso.

Lanço aqui algumas questões: 

Porque uma grande mulher precisa estar atrás de um grande homem?

Porque uma mulher precisa se manter nos bastidores do sucesso de um grande homem?

Porque homens e mulheres não podem estar lado a lado numa relação de igualdade de oportunidades e de direitos?

Ao longo da história as lutas feministas pleiteiam o reconhecimento de que as mulheres são cidadãs. E pleiteiam o reconhecimento de que as mulheres não são cidadãs de segunda categoria. 

Homens e mulheres podem conviver em harmonia com igualdade de direitos e de oportunidades.

Uma mulher pode escolher ter filhos e ser uma dona de casa. Mas ela também pode escolher outras coisas para a vida dela. Ela tem direito de ser quem ela quiser ser.

Embora existam muitos críticos ao termo “empoderamento feminino”, o empoderamento se refere a um processo de desenvolvimento individual e coletivo das mulheres, que possibilita que elas se conscientizem de suas potencialidades e desconstruam dentro delas mesmas as ruínas do machismo estrutural, que as mantém presas e reféns da ideia de que são inferiores e tem menos capacidade e competência do que os homens. 

O empoderamento feminino significa transformação social, e isto inclui transformação nas crenças para que homens e mulheres tenham igualdades de direitos e de oportunidades 

O empoderamento das mulheres tornou-as conscientes de que podem exercer todos os papéis sociais que elas desejarem exercer e estiverem capacitadas para isto.

As mulheres estão se conscientizando e realizando inúmeras conquistas. 

De acordo com dados do IBGE, hoje as mulheres são a maioria nas Universidades brasileiras e em cargos de liderança na ciência, na educação, na saúde, na assistência social e nos esportes.

E está cada vez mais frequente a participação de mulheres em posições estratégicas na política e em grandes organizações.

As CEOs (chief executive officer) das empresas tem demonstrado grande competência e talento para realizar funções e papéis que até a pouco eram desempenhadas exclusivamente por homens.

O fato das mulheres terem sido criadas numa sociedade machista as levou a desenvolverem algumas habilidades para “sobrevivência na selva”, e assim, muitas mulheres se tornaram mais observadoras, mais atentas ao que acontece lá fora para realizarem uma boa leitura de ambiente, e talvez, mais cuidadosas do que a maioria dos homens, na tomada de decisões. 

Estas vantagens do comportamento feminino têm sido exploradas no mundo corporativo, e cada vez é mais frequente que grandes corporações estejam apostando na competência feminina em postos estratégicos e para a tomada de decisões vitais para a empresa, se referiu às minhas conversas com as executivas.

O DIFÍCIL INGRESSO DA MULHER NO ENSINO SUPERIOR

A mestre e doutora em História, Alexandra Martins Ribeiro aponta o empoderamento da mulher com ingresso da mesma no ensino superior, tese que defendeu recentemente em Curitiba.

Alexandra diz que a permissão para que mulheres ingressassem nas instituições superior só se deu nos últimos anos do Brasil Império. Contudo, esses espaços eram muito masculinos e poucas, e não sem dificuldades, eram aquelas que conquistavam esses títulos. A exemplo disso, a primeira mulher a se formar em Medicina na Universidade do Paraná, Maria Falce de Macedo, desabafou parte de seus enfrentamentos. A médica e primeira catedrática do Brasil afirmou que as moças curitibanas não queriam fazer amizade com ela, uma vez que seu comportamento era visto como desviante da moral e bons costumes por frequentar os necrotérios com corpos nus ao lado de homens. 

Os desafios culturais enfrentados pelas mulheres para frequentar os cursos do ensino superior refletem nos resultados dos censos demográficos brasileiros. Os censos do ano de 1940 e 1950 revelavam que, do diminuto contigente da população que frequentavam os cursos de ensino superior, apenas 9% eram mulheres. No discurso sobre a representação sobre o ser mulher a formação educacional não estava entre as prioridades, o ideal ainda perpassava acerca de ser uma boa esposa e mãe. 

Após os anos de 1960, as representações começaram a ser alteradas devidos as mudanças econômicas e culturais. As mulheres que trabalhavam fora do âmbito privado passaram a ser vista positivamente nos discursos; as pílulas anticoncepcionais possibilitavam o planejamento familiar; as novas oportunidades de trabalho levaram um grande contigente de mulheres nas mais diversas profissões; assim como os salários promoviam independência financeira das mulheres em relação aos pais e maridos. Para elas alargavam-se as possibilidades.

Os resultados dos censos começaram a se transformar nos anos de 1960. Os números dos recenseamentos acerca da composição de pessoas que cursavam as salas de ensino superior revelam que a quantidade de mulheres passou a crescer: 1960, 14%; 1970, 26%; 1980, 45% eram do sexo feminino. Isso demonstra que, de forma gradativa, nos anos de 1980 a quantidade de homens e mulheres no ensino superior era praticamente a mesma. 

Porém, havia diferenças nos títulos dessa modalidade de ensino. O censo de 1980 desvela em quais cursos as mulheres mais conquistavam o título de ensino superior completo: Pedagogia e Letras. Assim mantendo-se, quase na sua maioria, em profissão ligada ao magistério. É claro que nos anos de 1980 já existiam aquelas que se aventuravam nas mais diversas profissões, mas eram exceções. Haviam cursos que ainda eram extremamente masculinos, representados como profissões para homens, a exemplo disso os cursos das ciências sociais aplicadas e cursos das exatas.

No ensino médio técnico ainda é diminuto o número de meninas nos cursos de computação, assim como nos cursos ligados a arte, como é o caso de fotografia, as meninas estão em maior número, segundo pesquisadoras do Instituto Federal do Paraná. Esses resultados impactam ainda na constituição do corpo de trabalho atual.

Quando se analisa os cargos de maior poder hierárquico observa-se que são, na maioria das vezes, homens que ocupam essas posições. Infelizmente, constata-se casos de homens tendo maiores vantagens financeiras para desempenhar as mesmas atividades feitas por mulheres. Felizmente políticas públicas têm buscado interferir nessa realidade.

É claro que existem exceções. Mulheres ocupando altos cargos corporativos e a frente de grandes instituições. Essas pioneiras são fontes de inspiração e representação para as novas gerações.

Que essas mulheres se enveredem também para a política onde possamos vislumbrar mudanças na falta de liderança no Congresso Nacional para a transformação do nosso País.

 

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