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O amor tem perfil?

O amor tem perfil?

Que mais crianças e adolescentes possam sentir o amor de uma parentalidade forte, corajosa e sem padrões

Daiana Allessi - quinta-feira, 25 de maio de 2023 - 15:00

Eu poderia iniciar este texto de várias maneiras, mas ainda não consegui absorver a emoção que senti quando li o poema escrito por Bráulio Bessa, intitulado “Mãe”, e que de todas as suas afetivas estrofes, fui tocada fortemente por essa:

“Te amar por estar perto de mim,
não por ter o seu sangue ou sua cor.
Te amar só por ter o seu amor.”

E aproveitando que hoje comemora-se o Dia Nacional da Adoção, achei prudente e necessário escrever sobre o amor e seus padrões.

Será que amor tem padrão ou perfil? 

Será que o amor deve respeitar uma paleta de cores, uma regra de etiqueta social ou um determinado estereótipo?

Entristeço-me em pensar que embora a cultura seja inerente e essencial a um povo ela também é protagonista de injustiças e sofrimentos. Essa maneira de pensar e fazer legitima como “cultural” a marginalização de um gênero, a discriminação de uma raça e a exclusão de seres humanos.

De crianças abandonadas, abusadas, machucadas, devolvidas e vulnerabilizadas a mães biológicas segregadas, invisibilizadas e solitárias, percebo a formação de uma mistura nefasta que na maioria das vezes é alimentada e sustentada pelos rótulos de gênero, raça e classe.

Conforme dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA) do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Estado do Paraná com conta com 397 crianças e adolescentes esperando pela adoção e 2.452 mil pretendentes. 

Se pensarmos nacionalmente, temos 4,3 mil crianças disponíveis para adoção e 33,7 mil pretendentes habilitados para adotar. E surge a pergunta:

Se a procura é maior que a quantidade de humanos inocentes aguardando por amor, carinho e lar, qual o motivo de dessa discrepância? Explicarei.

Segundo os dados apresentados pelo SNA-CNJ, do total de pretendentes habilitados para adotar, mais de 27 mil impõem um “perfil” para o filho ou filha, e desejam adotar crianças com idade até 6 anos de idade. O problema principal é que das 4,3 mil crianças e adolescentes brasileiros disponíveis para adoção, 2,9 mil tem entre 08 e 17 anos de idade, ou seja, a maioria não corresponde ao “perfil” desejado.

Se o amor parental for vinculado a um determinado perfil, o balanço entre adotantes e adotados nunca será justo. 

Acho de uma grandeza infinita o ato de adotar. De escolher ser pai ou mãe de uma vida que não foi gerada biologicamente, mas foi concebida no primeiro olhar e gestada no coração. E tamanha grandeza não deveria ser subordinada à padrões ou expectativas parentais, pois adotar é a maior quebra de paradigmas emocionais que um ser humano pode vivenciar.

Seja pela ansiedade, pelo peso da bagagem emocional dupla, pela idealização criada, pela coragem de decidir aventurar-se no mundo da parentalidade. Posso afirmar, o amor não tem cor, nem raça nem gênero, logo não tem perfil. 

Se o amor tivesse um perfil não seria amor! Pois amar não cabe no peito, muito menos em uma definição gramática. E eu desejo fortemente que muitas crianças e adolescentes tenham a alegria de serem amados por mães e pais que de tanto amor, não enxerguem raça ou cor, idade ou fenotipia, pois o perfil é o amor!

“Te amar por estar perto de mim,
não por ter o seu sangue ou sua cor.
Te amar só por ter o seu amor.
Te amar mais pelos nãos que pelos sins.
Te amar por plantar no meu jardim
o amor maior que se pode amar
e mostrar a forma certa de regar
esse sentimento puro e tão fecundo.
Se eu vivesse mil vidas nesse mundo
não seria o bastante pra te amar!”
(Poema Mãe, de Bráulio Bessa extraído do livro “Poesia que transforma”, pág. 91, Editora Sextante, 2018)

*Fonte dos dados: Painel de Estatísticas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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