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Eu Clarice, ela solidão e nós Lispector

Eu Clarice, ela solidão e nós Lispector

Refletir sobre o final de ano dialogando com o pensamento e obra de Clarice Lispector nos indica que é tempo de refazer a rota, aprender a gostar da própria companhia e aproveitar positivamente a solidão

Daiana Allessi - quinta-feira, 15 de dezembro de 2022 - 09:00

Parei para pensar no turbilhão de acontecimentos dos últimos meses, na angústia que senti em certos momentos, bem como, na alegria incontrolável que outros tantos momentos me causaram e confesso que me sinto um tanto quanto prolixa, diria até confusa.

Falo de uma confusão de sentimentos, um emaranhado de sensações, pois não tenho tempo nem disposição para ser ou estar confusa em relação às ideias e à dinâmica que o ser mulher me impõe cotidianamente. Falo da confusão de percepções, da montanha-russa emocional que todas nós, gostando ou não, temos que encarar.

Com a devida licença poética, certa vez ouvi que temos que falar, nominar os problemas para que às claras consigamos refletir e buscar soluções e penso que ser uma “mulher-polvo”, a que se supera mesmo à custa de muitas dores, a todos aproveita, menos a mim e a você.

Ouso dizer que a palavra solidão abarca com maestria a confusão de sentimentos a que me referi no início do texto. Solidão. Sentir-se sozinha mesmo estando rodeada de pessoas queridas. Sentir-se sozinha mesmo quando as 24 horas do dia não logram êxito em dar conta das infindáveis obrigações. Sentir-se sozinha quando tudo o que você cresceu ouvindo cessa de fazer sentido e de dogma passa a ser fraude.

Sem vitimismo e sem filtros precisamos falar sobre ela. Que nos golpeia, descredita e anestesia. Que torna nossos dias pesados, repletos de ansiedade e perguntas sem respostas. Sensação que não pode ser definida por muitas de nós, porém mesmo sem nome, e talvez até como uma entidade ou uma brisa desagradável, nos enche de temor e nos rouba a disposição e o sorriso. Ela que nos faz arrastar correntes.

Sim, a solidão é uma carrasca que atua no silêncio e sem maiores delongas, assume o controle da nossa vida e nos conduz a um ostracismo sentimental.

Entretanto, será que a solidão feminina de todo ruim? Fã que sou de Clarice Lispector e relembrando a passagem dos 102 anos de seu nascimento no último dia 10 de dezembro, rememoro em seus contos, suaves ou ácidos, extremamente metafóricos e ricos em sentimentos, tanto do ponto de vista das alegrias quanto dos dissabores e da solidão a abordagem de um universo próprio e muito peculiar a todas nós.

Ela que com maestria transformou o exílio em um instrumento de conhecimento e empoderamento das mulheres, fissurou o bloco de negativismo atribuído ao sentimento da solidão.

Desejo que assim como nos contos e pensamentos de Clarice, que não nos limitemos ao que faz sentido ou ao que é passível de fazer sentido e que possamos inventar nossa verdade. Assumir o comando de nossas vidas.

As festas de final de ano estão próximas e um toque de melancolia e nostalgia tomaram conta dos meus pensamentos. Porém, ao revés do pessimismo ou da discussão sobre a solidão como instrumento de destruição da alma, ouso encorajá-las (os) a usar a solidão como edificadora de mentes fortes, de objetivos traçados e coração leve. Ser sozinha (o) e sentir-se bem em sua própria companhia é maravilhoso e opera milagres.

O ano está acabando e é hora de traçar metas e buscar concretizar objetivos pessoais, situações que nos conectem com nossa alma e nos tragam a real satisfação, não importando a atribuição do rótulo de “egoísta” que esse ato de amor-próprio possa imputar.

Ter um tempo de solidão para pensar na vida, refazer a rota, assistir a um filme, beber um vinho ou simplesmente limpar os pensamentos é um privilégio, é renovador. Então, espero que encaremos a solidão com otimismo, como um presente que nos propicia a nossa conexão conosco.

“Que minha solidão me sirva de companhia.
que eu tenha a coragem de me enfrentar.
que eu saiba ficar com o nada
e mesmo assim me sentir
como se estivesse plena de tudo.”

(Clarice Lispector
Um sopro de vida – Pulsações)


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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