A caixa de ʼādām
Ultrapassar modelos sociais impostos e pensar” fora da caixa” é o caminho para humanizar a masculinidade e libertar o feminino.
Você já ouviu falar em “caixa dos homens”?
No início dos anos de 1980 em um estudo originado de um projeto com homens adolescentes de Oakland, Paul Kivel cunhou inicialmente o termo “act like a man box” (caixa do agir como homem), que consistia em definir os aspectos socialmente aceitos e definidos como masculinos. No entanto, foi o educador e ativista americano,Tony Porter, que simplificou o termo para “caixa dos homens”, no intuito de atingir e concientizar mais pessoas sobre os esteriótipos da masculinidade.
Esse é um tema que precisa ser desconstruído, pois os rótulos destinados aos homens impactam diretamente nos papéis impostos às mulheres e ampliam a desigualdade entre os gêneros, bem como, a subalternidade.
O analfabetismo emocional é naturalizado nessa “caixa” masculina que consiste em uma prisão cultural que limita a conduta dos homens e meninos a um determinado padrão e, consequentemente, gera tensões na realidade cotidiana dos homens.
Essa rotulação da masculinidade impõe metas duras e incompatíveis, pois transforma os homens em seres violentos, supostamente desprovidos de qualquer manifestação de emoção, tristeza ou culpa, sendo o egoísmo e ausência de culpa um fator determinante em seu agir.
E esse comportamento que entendemos como natural ou até mesmo atávico, na maioria das vezes, é uma construção que se enraiza de tal maneira que permeia nossos comportamentos e se torna uma marca, um esteriótipo de gênero.
Não há como pensar a igualdade e a diminuição dos índices de violência se não reconstruirmos o conceito de masculinidade, pois a atribuição de papéis sociais impacta diretamente nas relações, sejam quais forem, entre homens e mulheres.
A construção dos comportamentos que definem um homem são, sem dúvida, um traço patriarcal para assim também impor um molde rígido às mulheres.
É custoso manter essa hegemonia opressora de viver dentro da “caixa dos homens”. Significa abdicar de sua natureza para evitar emoções, sinais de fraqueza, mostrar agressividade e dominância, julgar e excluir o que não pertence à heteronormatividade, exalar testosterona e nunca fazer, agir e sentir como uma mulher.
Sair dos limites dessa “caixa” gera a insatisfação da cultura hierárquica machista e o homem é oprimido pelo mesmo sistema que o favorece como opressor. E o que mais chama atenção é que não seguir esse “padrão quadrado” transforma o homem “macho” em seu oposto social, pois passa a ser considerado menos homem, mais feminino.
Essa uniformização de comportamentos e papéis sociais limitadores são os responsáveis pela sociedade imatura, preconceituosa e injusta em que vivemos. Não existe problema em seguir comportamentos desde que não seja o de “macho alfa”, de homem universal ou Adão.
Sagacidade, inteligência emocional, gentileza e empatia são características humanas muito apreciadas e atualmente absolutamente necessárias em nossa sociedade que precisam ser praticadas independentemente do gênero. E não falo de culpa, de dedos apontados em riste, mas apenas de responsabilidade, afetiva, social e pessoal.
A mudança vem de dentro, é necessário que os homens ajustem a rota, se desvinculem das vaidades auto incutidas e que estejam atentos aos sinais. Essa imposição cultural opressora do ser um macho, ao invés de um homem, precisa acabar para que a violência contra as mulheres, pare de ser naturalizada, reificada e consequentemente praticada.
E dizer o óbvio é sempre necessário!
Não generalizo os comportamentos, pois se assim o fizesse também estaria marcando ponto para o machismo, apenas ilustro alguns comportamentos masculinos, nesse modelo simplista da “caixa” para mostrar que os estereótipos favorecem a violência, inclusive no “mundo azul”.
E ressalto que não se deve confundir posturas assertivas e seguras quando necessário, com agressividade e abuso. Ser homem e viver sem rótulos e sem julgamentos às demais identidades é um comportamento maduro e totalmente desvinculado da masculinidade tóxica.
Saber acessar o íntimo de nossas vontades sem ferir o (a) outro (a) é verdadeira dádiva que se aprimora com a prática do autoconhecimento e do pensar livre e contra-hegemônico.
Não diminuo a responsabilidade pelos abusos cometidos contra as mulheres, pelo contrário, abordo os padrões da masculinidade nociva para evidenciar que o plano hierárquico de subordinar as mulheres não passou ileso ao cerceamento dos sentimentos e à conformação em parâmetros irreais sobre o que se espera de um indivíduo do sexo masculino.
Por que se ater a uma caixa (de conceitos e padrões irreais) quando existe um céu de possibilidades reais e plurais?
Enxergar as potencialidades, praticar o autocuidado, valorizar as diferenças e estimular o diálogo plural e interseccional são estratégias para abrir caminhos para mudança das narrativas sociais e pessoais do que é ser homem na sociedade.
E, ao serem libertados do vácuo de uma masculinidade tóxica, entenderão que a equidade é o caminho e que as diferenças entre homens e mulheres devem ser valorizadas, respeitadas e talvez assim, as assimetrias entre os gêneros começarão a diminuir.
Sugiro que assistam
Machos Alfa
O Silêncio dos Homens
A crítica precisa caminhar ao lado dos ideais de futuro. Sem medo, sem culpa e sem rótulos, porque o silêncio sufoca.
“No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover contra a dominação, contra a opressão. No momento em que escolhemos amar, começamos a nos mover em direção à liberdade, a agir de formas que libertam a nós e aos outros.”
(bell hooks)
*Significado de ʼādām: segundo a Bíblia Hebraica, a definição do “homem” criado por Deus, à sua imagem, é “ʼādām” (“Criou Deus, pois, o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou”) Gn 1:27. O termo Deus o criou pode se referir a um homem ou a toda a humanidade e ocorre ali 562 vezes. A raiz da palavra ʼādām (אדם (possui alguns significados distintos: “Homem”, “ser humano”, “indivíduo ou alguém”, “humanidade”, o nome próprio “Adão”, “quem, aquele que”, “gente”.
HUBNER, M. M. Um estudo sobre o termo ʼādām na Bíblia Hebraica. Arquivo Maaravi: Revista Digital de Estudos Judaicos da UFMG, Belo Horizonte, v. 10, n. 19, p. 72–86, 2016. DOI: 10.17851/1982-3053.10.19.72-86. Disponível em: https://periodicos.ufmg.br/index.php/maaravi/article/view/14342. Acesso em: 1 fev. 2023.