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A era do pessimismo

A era do pessimismo

Atualmente, tenho examinado um tema cujo teor era impensável até há pouco tempo;
trata-se dos rumos que a população mundial está tomando

José Pio Martins - quinta-feira, 21 de setembro de 2023 - 07:25

Por minha formação técnica em contabilidade e Economia, desenvolvi o hábito de analisar os atos e fatos pela ótica contábil, financeira e econômica. Assim eu fazia quando me punha a examinar, por exemplo, a recessão ou a hiperinflação que repetidamente ocorreram no Brasil nas últimas sete décadas.

Com o passar do tempo e os estudos que fiz em Filosofia e Ciência Política, percebi que aquele tipo de análise era incompleto, pois os fenômenos naturais e os fatos humanos contêm aspectos econômicos, sociológicos, políticos, culturais, psicológicos e morais, logo, o olhar restrito por uma dada ciência é por definição incompleto.

Atualmente, tenho examinado um tema cujo teor era impensável até há pouco tempo.
Trata-se dos rumos que a população mundial está tomando em termos quantitativos.  Destaco três afirmações tiradas das últimas estatísticas sobre a população atual e as previsões para as próximas décadas.

A primeira é a previsão que a população brasileira, hoje 203,1 milhões, pode chegar a 2100 com apenas 150 milhões de habitantes. Em 1970, o número de filhos por mulher era de 4,9; em 2000, estava em 2,38; em 2010, era 1,9; no fim do ano passado, a média já havia caído para 1,6, e o IBGE diz que, em 2040, o Brasil terá apenas 1,3 filhos por mulher. Para a população ficar estável, sem crescer nem diminuir, seria necessária a taxa de 2,1 filhos por mulher.

A segunda previsão é sobre a população da China, hoje de 1,4 bilhão, que pode cair à metade até o ano de 2100. A terceira é a previsão que os 8,1 bilhões de habitantes do mundo podem cair para apenas 4,5 bilhões em 2100. O que explica essas mudanças tão radicais? Vou aventurar uma interpretação psicossocial.

Em milhões de anos, a humanidade evoluiu em termos biológicos e sociais, passou da
condição animal para a divinização do indivíduo, e introduziu a crença na existência de alma e vida após a morte. De milênio em milênio, a evolução continuou, e o homem foi colocado no centro do universo, como razão maior da existência de tudo o que há.

Porém, chegando aos tempos modernos, o ser humano começou a ser confrontado em
suas crenças e, se é que se pode usar essa expressão, o homem foi humilhado pelo menos três vezes. Primeiro, vem Copérnico (1473-1543), diz que é a Terra que gira em torno do Sol, retira nosso mundo do centro do universo e afirma que o Sol é o centro em torno do qual os planetas gravitam. Essa foi a primeira humilhação.

Na sequência, Charles Darwin (1809-1882) provoca alvoroço nos meios científicos e comoção entre os povos ao garantir que o ser humano tal como é não foi obra de Deus,  as apenas evolução de um ancestral do macaco. Para o antropólogo espanhol José Maria Bermúdez de Castro, o homem e o chimpanzé vêm do mesmo ancestral, do qual se separaram há coisa de quatro a sete milhões de anos, sendo que ainda hoje o DNA de ambos é 98 % igual.

Ao tirar o homem de sua natureza divina e dar-lhe uma natureza de macaco, Darwin humilhou o ser humano pela segunda vez. Depois, vem o filósofo Artur Schopenhauer (1788-1860) e afirma que nossas crenças e sentimentos não são uma construção de nossa razão e inteligência, mas são impulsos de nossa própria biologia. “Todos somos escravos em nossa própria morada”, disse ele.

Sigmund Freud (1856-1939) conclui, após suas pesquisas, que Schopenhauer estava
certo, e afirma que a maior parte de nossos pensamentos e sentimentos vêm de nosso
inconsciente. Não bastasse isso, Friedrich Nietzsche (1844-1900) grita ao mundo que “Deus está morto!”, para se referir à grande parcela da humanidade que não acredita na existência de Deus, e a terceira humilhação está posta.

Essa sequência, ao lado da revolução científica e tecnológica, lança o ser humano num
poço de ignorância e pessimismo, fazendo que a própria razão da existência comece a ser posta em xeque. Em termos sociais, surgem os estados mentais de depressão e desesperança, os quais são agravados pela opressão política, redução das liberdades individuais e pelo estado revelado por Noreena Hertz, em seu livro O Século da Solidão.

Noreena afirma que a solidão não é apenas a sensação de falta de amor, companhia e
intimidade, mas também a sensação de ser ignorado, não visto e não cuidado pela família, amigos e vizinhos, tudo isso, acompanhado de nos sentirmos não apoiados e não cuidados por nossos concidadãos, empregadores, nossa comunidade e nosso governo, conclui Noreena.

Juntando tudo isso, ainda sem muita elaboração científica, e somando os problemas de
falta de emprego, pobreza e medo da velhice, dá para afirmar que o pessimismo, o
desencanto e a desesperança estão presentes nas decisões humanas de não gerar muitos filhos e, para grande parte, não gerar filho nenhum.

Parece-me que, na tentativa de compreender os rumos da população mundial e a possibilidade de sua redução tão expressiva, os elementos que aqui trago não respondem a tudo, mas certamente eles têm sua parcela de contribuição para as causas das previsões publicadas.

José Pio Martins, economista, professor, palestrante e consultor de economia, finanças e investimentos.

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