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Somos solidários à Rússia, diz Bolsonaro em encontro com Putin

Somos solidários à Rússia, diz Bolsonaro em encontro com Putin

Ambos conversaram, com intérpretes, separados apenas por uma mesinha de centro, em um encontro que teve cerca de uma hora de atraso e durou o mesmo.

Igor Gielow - Folhapress - quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022 - 13:15

Nas palavras de abertura de seu encontro privado com o presidente russo, Vladimir Putin, Jair Bolsonaro afirmou que “somos solidários à Rússia”.

Ele não disse solidário em relação a quê, mas o seu anfitrião está no centro de uma das maiores crises de segurança no mundo desde o fim da Guerra Fria, a tensão com a Ucrânia e o Ocidente, que acusa Moscou de ameaçar invadir o país vizinho.

Mais tarde, em comunicado após a reunião, Bolsonaro tentou diluir o impacto da fala, que será vista negativamente nos Estados Unidos, que eram contra sua vinda à Rússia. “Nós somos solidários a todos os países que querem e se empenham pela paz”, afirmou.

As palavras televisionadas foram, como de praxe, econômicas de lado a lado. O russo afirmou esperar um “encontro produtivo”, enquanto o brasileiro enumerou as áreas de cooperação em negociações nas reuniões paralelas ao encontro: defesa, energia e agricultura.

“Estou muito feliz e honrado por este convite. Somos solidários à Rússia. Queremos muito colaborar em várias áreas, defesa, petróleo e gás, agricultura, e as reuniões estão acontecendo. Tenho certeza que esta passagem por aqui é um retrato para o mundo que nós podemos crescer muito as nossas relações bilaterais”, disse o brasileiro.

Ele agradeceu Putin por ter concedido indulto no ano passado a um motorista brasileiro que estava preso na Rússia acusado de entrar no país com uma substância ilegal.

Ambos conversaram, com intérpretes, separados apenas por uma mesinha de centro, em um encontro que teve cerca de uma hora de atraso e durou o mesmo.

Isso indica que Bolsonaro aceitou fazer os testes RT-PCR russos demandados pelo governo russo para quem fala com o presidente, conhecido por seu temor de pegar Covid-19.

Putin recebeu três doses de vacina; Bolsonaro, nenhuma, e lidera campanha contra imunizantes. Outros líderes, como Olaf Scholz (Alemanha) e Emmanuel Macron (França), se recusaram a fazer o teste russo por temor de ter dados do DNA roubado, o que pode apontar problemas de saúde potenciais e fragilidades. Neste caso, foram dirigidos à mesa gigante de 5 metros que virou meme no mundo todo.

Ao fim de almoço, que durou mais uma hora, ambos concederam uma curta declaração à imprensa e divulgaram um comunicado conjunto. Além da fala sobre a solidariedade, Bolsonaro fez um aceno a seu público: “Compartilhamos de valores comuns, como a crença em Deus e a defesa da família”.

De fato, são bandeiras históricas de Putin, que neste particular divide retórica com o brasileiro. Na sua fala, anterior à de Bolsonaro, o russo afirmou que “nós apoiamos o uso da diplomacia para resolver problemas” e fez um elogio ao multilateralismo, algo que vem fazendo em oposição ao que chama de isolacionismo americano.

Não houve citação explícita à Ucrânia, como esperado. Bolsonaro reiterou o agradecimento ao apoio de Putin, que já era conhecido e não resultou em nada concreto desde 2014, à demanda brasileira de fazer parte como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

O presidente russo apresentou condolências ao brasileiro pela tragédia das chuvas em Petrópolis, onde dezenas morreram. O brasileiro, que ainda não tinha falado em público sobre o tema, agradeceu.

A demonstração de “solidariedade” de Putin será lida como apoio nos meios diplomáticos ocidentais, apesar de o Itamaraty sustentar que o Brasil manterá sua linha de independência e defesa de soluções pacíficas de conflitos no mundo todo.

Essa tradição havia sido rompida nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, com a gestão agressiva do expoente da ala ideológica do bolsonarismo Ernesto Araújo. Ele defendia uma aliança carnal com os EUA contra o que chamava de globalismo, caiu em março de 2021 e hoje está licenciado da diplomacia.

Antes da viagem de Bolsonaro, os EUA fizeram gestões para primeiro impedir a visita e, depois, para que ele levasse palavras duras a Putin sobre a condução da crise -o que evidentemente não irá acontecer.

Hoje o Brasil tem o status de aliado preferencial extra-Otan dos EUA, uma condição que lhe dá acesso a parcerias privilegiadas com o mercado de defesa norte-americano. Ambos os países assinaram um acordo militar inédito em 2020, mas até agora ele não rendeu frutos.

Em reunião anterior ao encontro dos líderes, o chanceler russo, Serguei Lavrov, fez críticas aos Estados Unidos e à Otan (aliança militar ocidental) na crise. Ele havia se reunido com seu homólogo brasileiro, Carlos França, e os ministros da Defesa Serguei Choigu e Walter Braga Netto.

Ambos os presidente divulgaram um comunicado conjunto bastante vago, como costuma ser nesses casos. Os russos estavam interessados em estabelecer contratos mais sólidos para entregar de forma mais constante insumos para fertilizantes, uma preocupação central do agronegócio brasileiro dada a escassez mundial no contexto da pandemia.

Dos US$ 5,7 bilhões vendidos pela Rússia o Brasil em 2021, 60% se referiam a esses produtos. Na via inversa, o US$ 1,6 bilhão comprado pelos russos são concentrados em produtos primários, como a soja.

Russos deverão adquirir uma fábrica de fertilizantes da Petrobras para cimentar essa relação. Putin também citou o interesse de maior participação da Rosatom, a estatal nuclear russo, com pequenas centrais no Brasil.

Antes, o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia), havia dito que a estatal poderá competir para participar do consórcio que retomará as obras da usina de Angra 3.

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