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Museu do Holocausto pede que Alvim seja condenado por apologia ao nazismo

Museu do Holocausto pede que Alvim seja condenado por apologia ao nazismo

O Museu do Holocausto, em Curitiba, repudiou o pronunciamento feito por Roberto Alvim, exonerado do cargo de secretário ..

Vinicius Cordeiro - sexta-feira, 17 de janeiro de 2020 - 18:01

O Museu do Holocausto, em Curitiba, repudiou o pronunciamento feito por Roberto Alvim, exonerado do cargo de secretário especial da Cultura, e declarou que o episódio configura uma apologia ao nazismo. O primeiro museu do Brasil sobre o tema também avaliou que o vídeo, retirado do ar na tarde desta sexta-feira (17), causa perplexidade pelas similaridades ao discurso de Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler durante a Alemanha nazista.

“O Museu do Holocausto não apenas repudia, como também clama pelo afastamento de todos os responsáveis e pela instauração de um processo penal. Este inadmissível plágio textual e estético, além de repulsivo, cruza a linha do que é moralmente aceitável e configura apologia ao nazismo”, diz trecho da nota.

A Lei nº 7.716, de 1989, prevê que a pena por “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo” é de dois a cinco anos de prisão e multa.

“O fato de repetir um discurso ou utilizar a mesma valsa tocada nos campos de concentração para validar o discurso nazista são difíceis de se apontar como crimes, embora sejam atos absolutamente imorais por tudo o que representam”, afirma o advogado Gustavo Polido, especialista em Direito Penal.

Ele ressalta que apenas pessoas especializadas no assunto foram capazes de fazer as relações com a fala de Goebbels. “Nem todos sabem referenciar, o discurso não alcança a população como um todo. Mas isso não o impede de ser responsabilizado. Além da demissão, ele pode responder a um processo ético pelo órgão ao qual estava vinculado”, completa.

SEMELHANÇAS NO DISCURSO E TRILHA SONORA DE ÓPERA ‘NAZISTA’

alvim bolsonaro goebbels nazismo secretário (Reprodução / Youtube)

Na nota, o Museu do Holocausto também explicou que os discursos de Alvim e Goebbels surpreendem não só pelas semelhanças entre as palavras (veja abaixo a comparação), mas também pelo conteúdo.

“A arte deveria, aos olhos nazistas, servir para unir a nação, enaltecer o espírito patriótico e a lealdade de seus cidadãos. A produção artística que fosse crítica aos ideais nazistas, adotasse uma estética considerada contrária ao enaltecimento da nação ou que questionasse a ordem vigente foi gradualmente marginalizada, censurada e finalmente perseguida”, revela o Museu do Holocausto.

Por fim, o museu ainda especificou a música de fundo usada no vídeo publicado pela Secretaria de Cultura do governo de Jair Bolsonaro.

“O uso como trilha sonora da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, exaustivamente utilizada no período nazista como exacerbação da purificação e do nacionalismo alemães, também desonra e gera repulsa àqueles que buscam aprender e transmitir as lições da Shoá”, completa.

LEIA OS DISCURSOS DE ALVIM E GOEBBELS

Além da semelhança do tom da voz e da estética do vídeo, as palavras do pronunciamento de Roberto Alvim são quase idênticas ao discurso de Goebbels, feito no dia 8 de maio de 1933. O trecho está presente no livro “Joseph Goebbels: uma Biografia”, de Peter Longerich.

Confira a diferença entre as palavras:

A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada”, disse o então ministro de Hitler.

No vídeo publicado pela Secretaria da Cultura, Alvim declara: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada“.

ÍNTEGRA DA NOTA DO MUSEU DO HOLOCAUSTO

Na noite do dia 16 para 17 de janeiro de 2020, o secretário da Cultura do Governo Federal, Roberto Alvim, publicou um vídeo de divulgação do Prêmio Nacional das Artes, o qual causou justa indignação nos mais diversos setores da sociedade. A razão principal é que parte do pronunciamento se configura como cópia parcial de um discurso do ministro da propaganda alemão durante o regime nazista, Joseph Goebbels, conforme atestam diversas fontes historiográficas.

Em primeiro lugar, uma autoridade, qualquer que seja sua hierarquia ou país, que insere num pronunciamento oficial citações ipsis litteris de um notório criminoso nazista, e se vale de sua estética, é uma afronta.

Em segundo lugar, causa perplexidade a similaridade não só de palavras, mas de conteúdo. O regime nazista visava aparelhar a produção cultural alemã aos seus objetivos políticos. A arte deveria, aos olhos nazistas, servir para unir a nação, enaltecer o espírito patriótico e a lealdade de seus cidadãos. A produção artística que fosse crítica aos ideais nazistas, adotasse uma estética considerada contrária ao enaltecimento da nação ou que questionasse a ordem vigente foi gradualmente marginalizada, censurada e finalmente perseguida. A produção cultural, que tem um de seus papéis fundamentais a expressão dos sentimentos, a crítica ao status quo e a possibilidade de imaginar cenários diferentes era, dessa forma, atacada em seu cerne.

Nesses termos, o secretário deixa claro que somente serão valorizadas pelo governo federal as manifestações culturais alinhadas à valores ideológicos pré-definidos.

Junto a isto, a seleção ideológica e o ataque verbal e financeiro à arte crítica e aos seus valores são um enorme acinte, um desrespeito às vítimas do Holocausto e uma ofensa a todos aqueles que, independentemente dos posicionamentos políticos, acreditam na democracia, nos direitos humanos e na liberdade e pluralidade de pensamento e expressão.

Em terceiro lugar, o uso como trilha sonora da ópera Lohengrin, de Richard Wagner, exaustivamente utilizada no período nazista como exacerbação da purificação e do nacionalismo alemães, também desonra e gera repulsa àqueles que buscam aprender e transmitir as lições da Shoá.

Resumindo: este inadmissível plágio textual e estético, além de repulsivo, cruza a linha do que é moralmente aceitável e configura apologia ao Nazismo. O Museu do Holocausto de Curitiba não apenas repudia, como também clama pelo afastamento de todos os responsáveis e pela instauração de um processo penal.

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