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Chegou a hora da fogueira! É noite de São João (1)

Chegou a hora da fogueira! É noite de São João (1)

Escritor e publicitário Eloi Zanetti brinda os leitores do Paraná Portal com uma bela crônica sobre as festividades de São João.

Redação - terça-feira, 13 de junho de 2023 - 10:47

Por Eloi Zanetti

O céu fica todo iluminado – Fica o céu todo estrelado – Pintadinho de balão…(Lamartine Babo)

É possivelmente o mais antigo dia santo do Ocidente; nasceu das comemorações do solstício no Hemisfério Norte – isto é, o início do verão. Povos antigos acendiam fogueiras para homenagear o espírito do mundo, o poderoso senhor da luz e do calor – o Sol. Solstícios e equinócios sempre foram motivo de celebração e o principal símbolo, a fogueira; como no dia da Páscoa, o Holi na Índia e o Ali-hollow-een em 31 de outubro; este, tomado emprestado dos egípcios pelos celtas, ganhou o mundo. Acabou virando Halloween, que a mass-mídia desvirtuou ao produzir filmes de terror de terceira categoria para assustar adolescentes. Do cinema virou moda e foi levada às festinhas de jardins de infância e ao comércio de máscaras e fantasias. Mudam-se os tempos, mudam-se os costumes.

 Na antiguidade, no solstício do Norte venerava-se o poderoso Baal – o grande mestre, o marido da Lua, o poderoso senhor da luz e do calor. Ele aparece com vários nomes: Ball, Bel, Belus Molock, Maik Hobal, Balder, Apolo ou Belanus, de acordo com o povo e situação. O cristianismo apropriou-se da data e do conceito e instituiu a Noite de São João para celebrar o dia do seu nascimento, em 24 de junho — nada mais apropriado do que um santo nascer no dia do solstício setentrional. Assim, os mitos e as divindades vão se modificando ao longo dos séculos e das conveniências. Para maior veracidade, dizem que quando São João nasceu sua mãe, Santa Isabel, mandou acender um grande fogueira para comunicar o nascimento à sua prima Maria, mãe de Jesus. O dia é festejado com danças, alegria, bebidas e comidas desde o século 4.

Não confunda João com João 

Para quem não sabe, São João foi aquele que previu a vinda de Jesus – era seu primo —, e por censurar o rei Herodes, que se casou com a cunhada, foi preso. Até aí, tudo bem. Mas o rei ficou tão encantado por Salomé, uma dançarina, que pediu a ela que escolhesse um presente. Ela exigiu a cabeça de São João em uma bandeja. Chico Anísio deitou e rolou com a história da Salomé e o ex-presidente João Baptista Figueiredo. E, por favor, não confunda com o outro João, o apóstolo: esse participou da Santa Ceia.

As fogueiras 

 No seu início a festa era comemorada à noite, quando as pessoas ficavam em suas casas e acendiam três tipos de fogueiras: uma de ossos limpos, outra de madeira — em volta da qual a comunidade se reunia —uma terceira de madeira e de ossos. Pular fogueiras, um ritual já presente em várias religiões pré-cristãs, sempre foi sinal de boa sorte e felicidade. Em muitos lugares é costume pular o fogo três vezes cantando: “São João está dormindo; São Pedro está acordado; os dois servem de testemunhas que nós temos que ser compadres; pula pra lá compadre, pula para cá comadre.”  Dizem que Deus faz São João dormir no dia do seu aniversário para que ele não colocasse fogo na Terra. Outros dizem que ele dorme porque ficou cansado por ter ido à festa de Santo Antônio. Andar descalço sobre as brasas é outro ritual, mas nunca vi ao vivo os tais corajosos. Dizem que é fácil.

O terreiro da festa

A música “Festa no Interior” (Moraes Moreira) dá um belo exemplo do que é uma festa de São João: “Fagulhas, pontas de agulhas – Brilham estrelas de São João – Babados, xotes e xaxados – Segura as pontas meu coração…” No Nordeste brasileiro é uma das festas mais importantes. Em muitos lugares é fincado no centro do terreiro um mastro feito com o tronco de uma árvore fina e no topo é colocada uma imagem de São João Baptista Menino segurando um carneirinho e as palavras Agnus Dei – Cordeiro de Deus. Saem desse mastro e se espalham por toda a área bandeirinhas coloridas de papel de seda, coladas em um longo barbante. 

Pedidos e adivinhações

Cada região tem o seu costume: alguns guardam restos de tições apagados para colocar em cima da casa a fim de acalmar tempestades e afastar raios; outros colocam minúsculos pedaços de carvão na carteira para atrair dinheiro e aproveitam o momento para adivinhações: as moças tentam enxergar o rosto do futuro marido nas imagens formadas em pratos onde se quebram ovos ou escreve-se o nome do pretendente em um papelzinho dobrado e se ele se abrir com o frio do sereno, o casamento é quase certo. 

A dança da quadrilha e o casamento na roça 

Tem Maria, tem João – Tem quadrilha, tem baião – Tem o pai bravo da noiva – tem o noivo fujão… (DVD – Galinha Pintadinha)

O ponto alto é a dança da quadrilha e o casamento na roça, celebrados em muitos lugares, especialmente nas escolas. É um verdadeiro teatrinho popular: os personagens são o pai da moça, sempre com uma espingarda pica-pau na mão, a donzela, o noivo fujão, o delegado, o padre e, às vezes, um ladrão de galinhas. Dizem que o costume nasceu na Inglaterra no século XVII e que para não haver distinção entre pobres e ricos durante a folia todos iam com roupas remendadas. Será?

Balões, fogos de artifício 

O costume de soltar balões acabou, pois estavam provocando muitos incêndios, mas o da soltura de rojões, fogos, busca-pés e bombas ainda é muito usado. Em algumas cidades acontecem verdadeiras batalhas campais com o uso das espadas de fogo. Muitos saem chamuscados, mas o que importa é a alegria da festa.

Os comes e bebes

Nenhuma festa de São João que se preza deixa de ter doces, curau pé de moleque, batata-doce, pipoca, canjica, pamonha, paçoca, queijadinha, bolo de fubá, cachaça, quentão e pinhão cozido no Sul. E aos meus amigos de nome João: que tal trazerem para o Brasil um costume da ilha espanhola de Tenerife? Lá, nesse dia, todas as pessoas chamadas João pagam uma rodada de bebida para os amigos.

                Termino esta crônica citando um poema de Manoel Bandeira:

Profundamente

 

Quando ontem adormeci

Na noite de São João

Havia alegria e rumor

Vozes cantigas e risos

Ao pé das fogueiras acesas.

No meio da noite despertei

Não ouvi mais vozes nem risos

Apenas balões

Passavam errantes

Silenciosamente

Apenas de vez em quando

O ruído de um bonde

Cortava o silêncio

Como um túnel.

Onde estavam os que há pouco

Dançavam

Cantavam

E riam

Ao pé das fogueiras acesas?

— Estavam todos dormindo

Estavam todos deitados

Dormindo

Profundamente.

Quando eu tinha seis anos

Não pude ver o fim da festa de São João

Porque adormeci.

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo

Minha avó

Meu avô

Totônio Rodrigues

Tomásia Rosa

Onde estão todos eles? — Estão todos dormindo

– Estão todos deitados – Dormindo profundamente

Eloi Zanetti é escritor e publicitário

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