Economia
Multinacional belga deixa dívida de R$ 3 milhões no Brasil após falência

Multinacional belga deixa dívida de R$ 3 milhões no Brasil após falência

Multinacional que havia se instalado em Araucária abandonou o país em 2015; empresas brasileiras estão enfrentando o drama de terem que assumir seus débitos

Redação - sexta-feira, 8 de abril de 2022 - 08:44

Ao prestar consultoria por 15 meses para a filial brasileira da multinacional belga Van Moer, que atua no segmento de logística, então instalada em Araucária, na Região Metropolitana de Curitiba, o sócio das empresas brasileiras IMX e V-LOG, Michael Jones, não imaginaria que as empresas fossem ser responsabilizadas, cinco anos depois, por uma dívida de R$ 3 milhões contraída pela sua contratante. 

Tudo começou em 2014, quando Jones procurou a multinacional belga a fim de atrair investimentos para um terminal logístico em Camaçari (BA), uma iniciativa da IMX, então a sua única empresa. Durante a conversa com o diretor da Van Moer, Eric Noterman, Jones foi informado que o grupo havia recentemente se instalado no Paraná, mas que as operações da filial não estavam indo bem, motivo pelo qual foi chamado para prestar serviços de consultoria para ajudar a empresa a se desenvolver no mercado brasileiro. 

A relação de prestação de serviços foi iniciada no segundo semestre 2014 e seguiu durante os 15 meses seguintes, tendo sido interrompida em setembro de 2015, quando o sócio minoritário da Van Moer Group do Brasil LTDA, Jorge Achete, sofreu um gravíssimo acidente que o deixou em coma por vários meses. Diante da sua ausência, a esposa de Achete, Katila Achete, gerente administrativo-financeira da empresa, assumiu a direção da filial e impediu que Jones continuasse prestando os serviços de consultoria. 

“No período que prestei consultoria, apontei diversas falhas no âmbito da governança e uma delas era o fato de que o sócio da empresa e a gerente responsável pelas contas serem um casal. Katila sabia disso e, uma vez na direção da empresa, deu ordens para eu não entrar mais lá. Foi quando perdi o contato com a gestão e ela começou a deixar de pagar contas, como impostos e aluguel, e desligar funcionários informalmente, fazendo com que a empresa fosse rapidamente para o buraco”, conta Jones, que é inglês, residente no Brasil há mais de 30 anos. 

Em janeiro de 2016, a multinacional belga abandonou definitivamente o país, tendo deixado uma dívida – hoje atualizada – de aproximadamente R$ 3 milhões, entre débitos trabalhistas, fiscais, em âmbitos municipal, estadual e federal, com a empresa que alugava o galpão logístico, a DM Construtora, e com o escritório de advocacia Athayde Advogados Associados, entre outros, no total de 20 credores. “Na ocasião, estive com o diretor belga Eric Noterman, que veio ao Brasil e me informou ter decidido deixar a situação como estava, à deriva, e não colocar mais dinheiro no país”, conta Jones. 

Daí em diante, o caso passou para a esfera judicial, com funcionários ingressando com reclamações trabalhistas, credores com ações judiciais de cobrança, sendo um deles o escritório Athayde Advogados Associados, que pediu a decretação da falência da Van Moer Group do Brasil. Todos os processos correram à revelia, sem defesa por parte da multinacional belga, de forma que, sem contestação, o juiz veio a reconhecer a sua falência em 2019, quando todos os credores foram reunidos num único processo.  

Nesse rol de credores, inclusive se encontra Jorge Achete, único sócio brasileiro da filial, que ingressou com reclamação trabalhista alegando ser empregado, o que foi acatado pela Justiça do Trabalho, uma vez que a Van Moer não se defendeu. Mesmo tendo seu nome como sócio minoritário no contrato social da Van Moer Group do Brasil LTDA, Jorge Achete em nenhum momento foi responsabilizado pelo montante dos débitos. 

No passo seguinte, a justiça iniciou a busca por patrimônios da Van Moer no Brasil a fim de pagar as dívidas dos credores, mas não localizou qualquer bem. Foi quando o escritório que assessora o juiz, então nomeado administrador judicial do processo, tomou conhecimento que a IMX, empresa de Jones, tinha prestado serviço para a filial brasileira da Van Moer e alegou que ela não era prestadora de serviço, mas sim do mesmo grupo econômico que a Van Moer. Assim, passou a responsabilizar a IMX e a V-LOG – sendo que esta última empresa só foi aberta só algum tempo após a Van Moer abandonar o Brasil – pelo montante da dívida. 

“Essa tese que a IMX e a V-LOG são do mesmo grupo econômico que a Van Moer foi alegada a partir da informação de que Michael era sócio da IMX e prestou serviços de apoio na gestão da filial brasileira, com base em e-mails nos quais ele fazia recomendações para que a empresa tomasse determinadas medidas. Então, a justiça passou a apontá-lo como um gestor indireto e, por ser sócio da IMX, entendeu que todas as empresas estão conectadas num mesmo grupo na pessoa de Michael”, explica o advogado da IMX e V-LOG, Vitor Dunham. 

O mais grave é que o juiz acatou esse entendimento dentro do processo de falência e bens das empresas IMX e a V-LOG chegaram a ser bloqueados por alguns dias, situação revertida por um pedido de reavaliação, que foi acatado pela justiça. Ao mesmo tempo, corre na justiça um outro processo aberto pela DM Construtora, no qual o juiz reconheceu a mesma tese de que as empresas integram um mesmo grupo econômico.  

“Ou seja, se o entendimento da justiça continuar sendo este, duas empresas brasileiras podem ter que arcar com uma dívida, que não foi gerada por elas, de R$ 3 milhões contraída por uma empresa estrangeira, uma multinacional de grande porte, vale ressaltar, que abandonou o país num ato de total desrespeito à legislação brasileira e às pessoas e fornecedores que envolveu na sua operação aqui. Eles largaram uma bomba no Brasil com a certeza de que não iria dar em nada”, ressalta Dunham.

Numa tentativa de fazer com que a Van Moer assuma os débitos deixados aqui, uma vez que, na Bélgica, ela é reconhecida como uma empresa ética e que funciona com base nos princípios de governança, Jones contratou um advogado na Bélgica, que fez uma notificação à Van Moer, ainda sem retorno. “Na Bélgica, qualquer empresa que recebe uma notificação judicial é obrigada a emitir uma resposta, e então, estamos nesse aguardo”, comenta Jones. 

Nos processos constam o contrato social da Van Moer Group do Brasil, que mostra Jorge Achete como único sócio local e o contrato social da V-LOG, que prova que esta empresa só foi aberta em fevereiro de 2016, após a Van Moer ter abandonado o país, entre outros documentos.

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