Economia
Guerra na Ucrânia desorganiza produção de pequena indústria no Brasil

Guerra na Ucrânia desorganiza produção de pequena indústria no Brasil

Efeito mais imediato vem do custo do transporte, pressionado pela alta dos combustíveis, e dos derivados de petróleo, no geral, como as resinas.

Fernanda Brigatti - Folhapress - quarta-feira, 30 de março de 2022 - 11:56

A guerra na Ucrânia e seus impactos sobre as cadeias de insumos e matérias-primas chegou também às micro e pequenas indústrias. O efeito mais imediato vem do custo do transporte, pressionado pela alta dos combustíveis, e dos derivados de petróleo, no geral, como as resinas.

As micro e pequenas indústrias de São Paulo começaram a recalibrar suas expectativas para os próximos meses, depois de uma melhora no otimismo até meados de fevereiro, diz o presidente do sindicato do setor, Joseph Couri.

“Não só a guerra, ainda têm Covid na China e elevação de juros. Os custos das matérias-primas já vinham altos e com muitos atrasos”, afirma.

A taxa básica de juros da economia, a Selic, foi a 11,75% ao ano na reunião mais recente do Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central. A elevação dos juros, prevê Couri, vai reduzir e encarecer o crédito para o setor.

No mês passado, segundo pesquisa Datafolha para o Simpi (Sindicato das Micro e Pequenas Indústrias de São Paulo), 54% dos empresários do setor avaliavam a situação dos negócios como ótima ou boa.

Antes de fevereiro, a última vez em que tantos industriais paulistas disseram estar satisfeitos havia sido registrada em junho de 2014, com 53% de bom ou ótimo.

O efeito da alta dos combustíveis sobre o transporte pesa sobre as empresas a partir de diversas frentes. Uréo Pereira, a gerente de cadeia de suprimentos da Gemü, empresa de origem alemã que produz válvulas, diz que esses custos já subiram 13,5% neste ano.

A empresa tem frota própria para atender parte dos deslocamentos, mas depende de outros transportadores para movimentar mercadoria para acabamento e receber insumos.

Além do baque dos combustíveis, a empresa já se prepara para novos aumentos em peças plásticas, uma vez que as resinas são afetadas pelos preços do petróleo. Desde 2020, os plásticos tiveram alta média de 60%.

Em outra frente de altas recentes, o ferro gusa subiu 25% em fevereiro. Na indústria como um todo, esse é um material bastante utilizado. Na Gemü, diz Pereira, é usado em quase 100% do que é produzido.

“Tentamos [desde o início da pandemia] segurar o máximo possível o repasse de preços. Trabalhamos em redução de custo, implantamos ferramentas para melhorar processos, mas esse é um ano em que já não dá mais para segurar”, diz.

Apesar de certo otimismo em alguns indicadores em fevereiro, a pesquisa Simpi/Datafolha mostrava a persistência das dificuldades com preços e cumprimento de prazos, ainda que em patamar menor do que o registrado no início do ano passado.

Em fevereiro de 2022, 74% das micro e pequenas indústrias de São Paulo diziam enfrentar dificuldade com alta no preço de insumos e matérias-primas. Outros 41% disseram estar lidando com a falta de materiais e 39%, com o atraso na entrega.

Na Gemü, a estratégia para lidar com a quebra das cadeias de suprimentos foi romper com a terceirização de alguns processos e investir na produção interna, o que exigiu da empresa a compra de novo maquinário. Duas rotinas da fábrica, que são a injeção de plástico e a produção de diafragmas, deixaram de vir de fora e agora são produzidas internamente.

A gerente de suprimentos da indústria diz que desde o início da pandemia o controle e formação de estoque ganharam centralidade no planejamento das empresas. “Na época [em que a pandemia começou] falávamos de redução, otimização de processos, mas, por fim, não teve como manter em nível baixo. O que antes era estoque para um mês e meio, hoje é de quatro a seis meses”, diz.
A necessidade de fazer o que as empresas chamam de “imobilização de capital” – dinheiro parado em forma de produto pronto ou matéria-prima para produzir – foi sendo reabilitada no planejamento das empresas diante dos prazos cada vez mais instáveis entre os fornecedores.

“O que a gente tinha para receber de fundição e demorava 30 dias se tornou 90 e depois 120 dias.”

Há casos, conta Pereira, em que os fornecedores acabaram com as tabelas de preços. Os valores de insumos passaram a ser negociados diariamente, no momento da compra.

Segundo a pesquisa Simpi/Datafolha, em fevereiro, o percentual de indústrias que disse ter registrado alta significativa de preços em relação ao mês anterior caiu. Foram 59% em fevereiro e tinha chegado a 72% em janeiro de 2021, o pico da série iniciada em março de 2013. Das que disseram ter registrado aumento de custos significativo, 47% disseram que as altas vieram de matéria-prima e insumos.

O desencanto com os efeitos da guerra sobre a economia não está restrito aos micro e pequenos industriais. A CNI (Confederação Nacional da Indústria) prevê revisar em abril a expectativa de crescimento do país em 2022, para incluir o impacto do novo choque.

A entidade diz estar preocupada principalmente com os aumentos de preços de petróleo, energia e insumos industriais. Em março, 22 de 29 setores da indústria pesquisados pela confederação registraram queda na confiança.

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