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Parentalidade responsável e o limite entre a Lei e a Moral

Parentalidade responsável e o limite entre a Lei e a Moral

A convivência saudável com os genitores é um direito de todas as crianças e adolescentes e amar não deveria ser um dever, mas um prazer.

Daiana Allessi - sexta-feira, 5 de maio de 2023 - 12:00

Eu não conseguiria ultrapassar essa semana sem comentar um caso que foi divulgado pela mídia e que imediatamente despertou um misto de sentimentos pessoais com experiências no dia a dia da advocacia familiarista. 

Não precisa atuar na área para entender, apenas precisa estar aberto a sentir, a cuidar e amar para compreender a minha perplexidade sobre a notícia de que o Gerard Piqué entrou judicialmente solicitando a diminuição do tempo de convivência com seus filhos, pedindo redução para 5 (cinco) dias dos 10 (dez) dias acordados.

Relações familiares são complicadas pela sua natureza, e quando há beligerância, divórcio e mágoa, tendem a ficar perigosamente ofensivas e os genitores acabam agindo irrefletidamente, inclusive em relação aos filhos, que viram moeda de troca ou escudo.

Eu poderia falar sobre o Código Civil, sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e sobre a Constituição e seus princípios protetivos em relação às crianças e adolescentes que tem força normativa e orientam as demandas judiciais. Mas, embora a lei seja um instrumento de pacificação social, ela é fria, desprovida de atuação perante os inúmeros reveses da vida e de algumas decisões parentais que embora tristes e questionáveis, são legalmente permitidas.

Falo em autoridade e responsabilidade parental pois tanto o pai quanto a mãe são responsáveis pelo cuidado com seus filhos menores de idade e devem compartilhar as obrigações e usufruir de uma convivência saudável independentemente de relacionamento afetivo ou estado civil.

A conjugalidade pode acabar, porém, a parentalidade é para sempre! 

E partindo dessa premissa me causou surpresa o pedido do ex-jogador para a redução do período de convivência. Não há intenção de generalizar, de comentar atuação profissional ou julgar vida pessoal dele, ou da ex-esposa, a Shakira, mas apenas tomar a situação como um norte de reflexão.

Não romantizo os términos conjugais, nem as batalhas judiciais travadas em razão de alimentos, guarda e convivência, mas, mesmo em meio ao caos que a grande maioria das dissoluções e divórcios ocasionam, me acostumei a ver pais e mães literalmente brigando por mais participação e tempo com seus filhos e filhas. 

Acompanhei casos de pais e mães sem condições financeiras favoráveis, em jornadas duplas, triplas para dar conta de fornecer carinho, dignidade e presença aos seus filhos. E então sacramentei minha conclusão de que ninguém pode oferecer o que não tem, quando falamos em sentimento.

Não posso e não devo opinar sobre o processo judicial, as razões e alegações que foram apresentadas, imagino que tenha sido bastante conturbado, mas, uma pessoa pública, com enormes possibilidades financeiras, alegar que em razão de compromissos profissionais precisa diminuir a convivência com seus filhos, me soa chocante e desarrazoado.

Sei que pai e mãe residem em países distintos, e essa distância poderia ser um óbice real na vida de muitos genitores e genitoras, mas não para o ex-jogador Piqué. Tenho convicção de que ele tem as suas razões, mas confesso que eu, que estou acostumada a conciliar e a prezar sempre pelo melhor interesse das crianças e adolescentes, fiquei incomodada com essa notícia.

Bem, o mundo ideal seria de famílias (qualquer que seja a composição dessas famílias) vivendo em harmonia e respeitando as crianças e adolescentes, de maneira a naturalizar o fato de que a parentalidade responsável é um dever de homens e mulheres. 

Mas mundo ideal é utopia, a inteligência emocional está cada vez menos desenvolvida e a liquidez das relações segue de maneira assustadora fazendo vítimas, rompendo sonhos de infância e tornando a realidade triste e sem carinho.

“É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar pra pensar
Na verdade não há.”
(Música: Pais e Filhos). Compositores: Eduardo Dutra Villa Lobos / Marcelo Augusto Bonfa / Renato Manfredini Junior


Daiana Allessi é mãe, esposa, advogada, professora e pesquisadora sobre gênero e direitos das mulheres.

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