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O que Bolsonaro disse e o que Bolsonaro fez na pandemia

O que Bolsonaro disse e o que Bolsonaro fez na pandemia

Jair Bolsonaro dá sinais de que dobrará os joelhos para a pandemia, embora não admita seus erros que acabaram afundando ..

Pedro Ribeiro - quarta-feira, 24 de março de 2021 - 10:57

Jair Bolsonaro dá sinais de que dobrará os joelhos para a pandemia, embora não admita seus erros que acabaram afundando ainda mais o país com o aumento do número de casos e mortes pela covid.

Em sua fala à Nação, nesta terça-feira, procurou na vacina, a esperança do povo, sua bandeira para tentar convencer a população de que ele sempre esteve no caminho certo em relação às ações de governo para o combate à doença. Sua credibilidade derreteu, segundo pesquisas (Datafolha) onde mostram que 54% desaprovam suas ações e atitudes na área da saúde.

Agora volta a falar com os governadores, justamente aqueles em que hostilizou em função das medidas de restrições para contornar a caótica crise na área da saúde.  Bolsonaro disse que 2021 será o “ano da vacinação dos brasileiros contra a covid-19” e que “em nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus como para combater o caos na economia”.

Sua fala foi no mesmo dia em que o Brasil cruzava a marca de 3.000 mortes registradas em 24 horas. Neste mesmo dia o Brasil totalizava 298.676 mortes e 12.130.019 casos de covid-19.

O Brasil também voltou a ser o segundo país com mais casos de coronavírus no mundo. Antes, essa posição era da Índia, que agora está em terceiro lugar (com 11,6 milhões de casos). Mas o Brasil segue em segundo lugar no número de mortes pela doença, atrás apenas dos Estados Unidos que já registrou 543,7 mil óbitos e 29,9 milhões de casos.

No pronunciamento, de quatro minutos, o presidente disse que seu governo é “incansável” no combate ao vírus —que por 12 meses ele minimizou— e se solidarizou com as famílias e amigos das quase 300 mil vítimas, após ter debochado do temor e do luto da população em diferentes ocasiões a Folha de São Paulo checou como 11 afirmações de Bolsonaro no discurso desta terça se comparam com suas declarações passadas, suas ações e a realidade da pandemia.

​“Em nenhum momento o governo deixou de tomar medidas importantes tanto para combater o coronavírus quanto para combater o caos na economia, que poderia gerar desemprego e fome”

O presidente Bolsonaro pessoalmente minimizou a pandemia em diferentes ocasiões. Em março de 2020, afirmou que “está superdimensionado o poder destruidor desse vírus”, “não é isso tudo que a grande mídia propaga” e que “não podemos entrar numa neurose, como se fosse o fim do mundo.” Ademais, ele próprio provocou aglomerações e recusou usar máscaras.

Além disso, seu governo apostou no uso de remédios sem eficácia comprovada contra a doença, como a hidroxicloroquina.

Na parte econômica, o governo federal propôs um auxílio emergencial mais tímido do que o que foi aplicado. Em março, a gestão Bolsonaro havia proposto uma ajuda de R$ 200, depois subiu para R$ 300, e o Congresso aumentou para R$ 600.

Neste ano, com a piora da pandemia e nova rodada de fechamentos, o governo resistiu de novo a conceder o auxílio, mas depois se dispôs a pagar uma ajuda média de R$ 250, que pode variar de R$ 150 a R$ 375 a depender da composição familiar. Bolsonaro ainda vetou outras ajudas econômicas, como um aporte de R$ 4 bilhões ao setor de transportes de passageiros, que ficou próximo da falência com a queda de passageiros.

“Somos o quinto país que mais vacinou no mundo. Temos mais de 14 milhões de vacinados e mais de 32 milhões de doses de vacina distribuídas para todos os estados da Federação”

De acordo com dados da plataforma Our World in Data, ligada à Universidade de Oxford, o Brasil é o quinto país que mais aplicou doses em números absolutos, atrás de Estados Unidos, China, Índia e Reino Unido.

Quando se analisa o número de doses aplicadas por mil habitantes, no entanto, o Brasil aparece na 73ª posição, atrás de outros países como Israel, que encabeça a lista, países europeus e mesmo os latinos Panamá e Argentina.

Dados do consórcio de veículos de imprensa mostram que só 2,69% da população brasileira acima de 18 anos recebeu a segunda dose da vacina, podendo, dessa forma, ser considerados efetivamente imunizados.

O consórcio junto às secretarias estaduais de saúde também apontam que 12,8 milhões de pessoas já receberam ao menos uma dose da vacina. O próprio Ministério da Saúde apresenta em seu site um número diferente do informado pelo presidente. De acordo com a pasta, 11,4 milhões de pessoas receberam ao menos uma dose do imunizante, e 30 milhões de vacinas foram distribuídas pelo país. (análise comparativa da equipe da  Folha de S. Paulo).

“Em julho de 2020, assinamos um acordo com a Universidade Oxford para produção na Fiocruz de 100 milhões de doses da vacina AstraZeneca. E liberamos em agosto R$ 1,9 bilhão”

O governo Bolsonaro realmente fechou acordo e liberou recurso para a compra e produção do imunizante no país.

Especialistas afirmam, no entanto, que o erro foi ter apostado em uma única vacina, e recusado doses de outras fabricantes, como a Pfizer, que já teriam entregue uma parcela dos imunizantes ao país. Nesta terça (23), o Ministério da Saúde reduziu pela quinta vez a expectativa de entrega de vacinas, depois que a Fiocruz, que produz o imunizante da AstraZeneca no país, baixou a previsão de 30 para 18 milhões de doses.

“Em setembro de 2020, assinamos outro acordo com o consórcio Covax Facility para a produção de 42 milhões de doses. O primeiro lote chegou no domingo passado e já foi distribuído para os estados”

É verdade que o país entrou no consórcio liderado pela Organização Mundial da Saúde, mas, das 42 milhões de doses acordadas, o país recebeu apenas 1 milhão. Outras 1,9 milhão de doses devem desembarcar no país até o final do mês de março, e mais 9,1 milhões de doses devem chegar ao país até maio. Esse cronograma, segundo o Ministério da Saúde, está sujeito a alterações.

“Em dezembro liberamos mais R$ 20 bilhões, o que possibilitou a aquisição da Coronavac, através do acordo com o Instituto Butantan”

De fato, em dezembro, o presidente assinou uma medida provisória que liberava R$ 20 bilhões para a compra de vacinas em geral.

Mas o acordo fechado em janeiro com o Instituto Butantan para a produção da Coronavac, desenvolvida pela fabricante chinesa Sinovac, só veio depois de rejeitar e criticar o imunizante diversas vezes. Em outubro do ano passado, por exemplo, depois que o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o governo compraria a vacina, Bolsonaro afirmou: “Mandei cancelar, o presidente sou eu, não abro mão da minha autoridade”. Em rede social, falou em traição e disse que não compraria a “vacina chinesa de João Doria.”

Bolsonaro chegou a comemorar em novembro quando os testes foram suspensos. “Morte, invalidez, anomalia. Esta é a vacina que o Doria queria obrigar todos os paulistanos a tomá-la”, escreveu o presidente como resposta. “O presidente disse que a vacina jamais poderia ser obrigatória. Mais uma que Jair Bolsonaro ganha.”

“Logo seremos autossuficientes na imunização”

A afirmação não é realista. Apesar de haver fabricação de duas vacinas contra a Covid no Brasil, a Coronavac, pelo Instituto Butantan, e a Covishield, pela Fiocruz, têm ocorrido atrasos constantes no cronograma de entrega de vacinas.

Nesta terça, por exemplo, a Fiocruz informou que entregará ao Ministério da Saúde de 11 a 12 milhões de doses a menos do que estava previsto do imunizante em abril. Pela Fiocruz, espera-se a entrega, até o meio do ano, cerca de 100 milhões de doses. Até agosto, o Butantan deve entregar o mesmo número de doses.

Considerando os brasileiros acima de 15 anos (169.277.800), porém, seriam necessárias mais de 330 milhões de doses. A compra de outras vacinas, porém, como a da Pfizer, devem garantir a vacinação de todo o país, até algum momento de 2022.

“Sempre disse que compraríamos qualquer vacina desde que aprovada pela Anvisa”

A afirmação é falsa. Bolsonaro, por diversas vezes, menosprezou a vacina Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac e produzida no Brasil pelo Instituto Butantan, e chegou a falar que o país não compraria a vacina. “Da China nós não comparemos, é decisão minha. Eu não acredito que ela não tem nada com isso”, afirmou Bolsonaro, em 17 de dezembro.

“Muito em breve retomaremos nossa vida normal”

Pesquisadores afirmam que a lenta velocidade na vacinação e a possibilidade do surgimento de novas variantes, mais transmissíveis e agressivas, devem fazer com que a imunidade de rebanho não seja atingida ainda neste ano.

Por isso, médicos e pesquisadores dizem que na volta à “vida normal”, mesmo quando a vacinação tiver avançado, as pessoas deverão continuar seguindo regras de distanciamento social e uso de máscara, pois a proteção ideal estará longe de ser atingida. Medidas que têm sido atacadas por Bolsonaro desde o início da pandemia.

O presidente, inclusive, continua tentando impedir governadores de adotar ações para controlar a disseminação do vírus. Na última sexta (19), Bolsonaro moveu ação no STF (Supremo Tribunal Federal) contra o decreto dos governos do Distrito Federal, Bahia e Rio Grande do Sul com restrições à circulação de pessoas durante o momento mais crítico da pandemia. O ministro Marco Aurélio Mello negou o pedido liminar.

“Solidarizo-me com todos aqueles que tiveram perdas em suas famílias, que Deus conforte seus corações”

A frase dita no pronunciamento destoa do discurso que vem sendo adotado pelo presidente nos últimos meses. Bolsonaro já usou as palavras histeria e fantasia para classificar a reação à pandemia. No começo deste mês, também afirmou que a população precisa enfrentar o problema.

“Nós temos que enfrentar os nossos problemas, chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando? Temos de enfrentar os problemas. Respeitar, obviamente, os mais idosos, aqueles que têm doenças, comorbidades, mas onde vai parar o Brasil se nós pararmos?”, disse em viagem a São Simão (GO), em 4 de março. Na quinta (18), Bolsonaro disse que “parece que só se morre de Covid” no Brasil. ​

“Somos incansáveis na luta contra o coronavírus. Essa é a missão e vamos cumpri-la”

Desde o início da pandemia o presidente tem sido contrário e desestimulado as medidas defendidas para o combate à disseminação do vírus. Bolsonaro incentivou aglomerações, espalhou informações falsas sobre a Covid-19, fez campanha de desobediência a medidas de proteção, como uso de máscara , e defendeu e distribui remédios sem eficácia comprovada contra a doença.

No último domingo (21), no pior momento da pandemia, o presidente comemorou seu aniversário com centenas de apoiadores aglomerados em frente ao Palácio da Alvorada. Bolsonaro, inclusive, retirou a máscara para discursar. (Análise comparativo da Folha de São Paulo).

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