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O custo brutal de uma transição mal feita
Foto/Agência Universitária

O custo brutal de uma transição mal feita

Neste ano, foram 86 dias com temperaturas superiores a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Não apenas setembro/23 foi o mês mais quente de todos, mas as temperaturas médias globais atingiram 1,8°C acima dos níveis pré-industriais. Esses recordes foram acompanhados por eventos climáticos devastadores, que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem alertando. E isso […]

Carlos Strapazzon - segunda-feira, 27 de novembro de 2023 - 07:57

Neste ano, foram 86 dias com temperaturas superiores a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. Não apenas setembro/23 foi o mês mais quente de todos, mas as temperaturas médias globais atingiram 1,8°C acima dos níveis pré-industriais. Esses recordes foram acompanhados por eventos climáticos devastadores, que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vem alertando. E isso parece ser, apenas, um começo modesto diante da força e dos custos brutais que a transição mal feita implicará.
 
O Relatório Mundial de Investimento da UNCTAD, publicado em 21.11.2023, revela o atraso e a falta de investimentos em todos os setores econômicos. Em 2015 faltavam de USD 2,5 trilhões, a.a. e agora faltam USD 4 trilhões a.a. para chegarmos em 2030 com uma sociedade mundial sustentável. Os setores onde mais faltam investimentos são energia, água e infraestrutura de transporte.
 
Outro relatório importante deste ano é o State of Climate Action 2023, publicado em 14.11.23. Nele também se lê que os esforços globais para limitar o aquecimento a 1,5°C estão falhando em todos os setores, exceto nas vendas de carros elétricos de passeio. Os dois relatórios de investimentos mostram que a mobilização de recursos está ficando abaixo do ritmo e da escala necessários para enfrentar a crise climática e a elevação de temperatura.
 
No Brasil, o estudo mais sólido e recente sobre o tema da transição foi publicado em fevereiro de 2023. Confirma o que já era sabido: que o perfil de emissões de Gases com Efeito Estufa (GEE) do Brasil é completamente diferente dos países desenvolvidos. No Brasil, só 31% das emissões de GEE tem origem no uso de energia (nos países desenvolvidos é 76%). Por outro lado, temos 62% das emissões vindas do uso irracional da terra (queimadas e desmatamento ilegal). Isso significa que aqui, a transição para a sociedade sustentável precisa conciliar interesses da agropecuária, do setor energético e de biodiversidade.
 
No Brasil, precisamos de ações que equilibrem o aumento na demanda por energia (até 2030 vai dobrar em relação a hoje) com o fim do desmatamento ilegal, além de atualização da legislação.
 
O Relatório sobre o Brasil indica que até 2050 as fontes renováveis superarão a participação de 70% de demanda de energia primária. A biomassa será a fonte que ganhará maior participação na matriz energética, seguida por eólica e solar. E o óleo e gás será a fonte que mais reduzirá sua participação.
 
Contudo, no caso do Brasil não há solução tecnicamente viável e realista para atingir a neutralidade de carbono até 2050, sem a eliminação do desmatamento ilegal até 2030. Mesmo que adotemos todas as tecnologias possíveis até 2050, não seria possível compensar, de forma realista, as altas emissões que vêm do desmatamento ilegal e de queimadas.
 
A interrupção do desmatamento ilegal é uma medida essencial, pois evitará a emissão de 21 gigatoneladas de dióxido de carbono (CO2) até 2050. No entanto, caso o desmatamento ilegal persista, teremos de comprar créditos de carbono e isso pode custar entre USD 680 bilhões a até USD 3,4 trilhões.
 
Essa é quantia que seria necessária para o Brasil cumprir os compromissos assumidos internacionalmente. E não faz o menor sentido. O fim do desmatamento ilegal é uma condição crucial para nosso país evitar custos colossais e gerar oportunidades inovadoras de negócios.
 
A 8ª edição do Fórum Mundial de Investimentos (WIF) da UNCTAD ocorreu em Abu Dhabi entre 16 a 20 de outubro de 2023. O encontro reuniu 8.000 participantes, incluindo autoridades governamentais, organizações internacionais, formuladores de políticas, 700 CEOs e investidores, fundos soberanos, bolsas de valores sustentáveis e principais atores dos mercados de capitais.
 
Foi divulgado que desde a adoção do Acordo de Paris, em 2015, os investimentos internacionais em energias renováveis quase triplicaram em países desenvolvidos. E que, em todo o mundo, dois terços dos países adotaram políticas de energia renovável. Além disso, que as economias desenvolvidas e emergentes já adotam mecanismos de promoção de investimentos privados em mais de 70% das políticas de energia renovável.

Para uma transição bem-feita, o que o mundo desenvolvido precisa fazer nos próximos 7 anos?

  1. investimentos expressivos em energia renovável;
  2. abandonar gradualmente os combustíveis fósseis;
  3. adotar fontes de energia mais limpas;
  4. investir em países em desenvolvimento, para que possam crescer e, ao mesmo tempo, realizar as metas globais da transição sustentável. 

E o Brasil, o que precisa fazer nos próximos 7 anos?

  1. Assegurar que a transição seja justa, ou seja, que os custos de desmatamento ilegal e de queimadas não sejam transferidos para toda a sociedade;
  2. Criar infraestrutura para lidar com riscos climáticos que devem afetar nossa agricultura, nossa infraestrutura urbana e o sistema financeiro que empresta dinheiro a negócios expostos a mudanças climáticas;
  3. Zerar o desmatamento ilegal até 2028 e recuperar áreas degradadas;
  4. Adotar uma nova agenda energética segura e limpa;
  5. Criar mercados de crédito de descarbonização;
  6. Promover pesquisas, tecnologias e modelos de negócios com foco na redução de emissões e remoção de carbono de emissões de gases de efeito estufa;
  7. Disseminar informações sobre o potencial econômico de todos os setores e de todos os municípios, estados e regiões do Brasil;
  8. Promover pesquisas, tecnologias e modelos de negócios geradores de resiliência climática.
     
    Nas próximas colunas, vamos aprofundar esses temas.

Carlos Luiz Strapazzon, PhD Unoesc, Universidade Positivo

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