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33 milhões passando fome e país regrediu 30 anos na politica alimentar

33 milhões passando fome e país regrediu 30 anos na politica alimentar

Vergonhosamente o Brasil contabiliza, hoje, 33 milhões de pessoas passando fome. O país regrediu 30 anos na política alimentar e somente em um ano mais 14 mihões de pessoas entraram na fila da fome

Pedro Ribeiro - domingo, 12 de junho de 2022 - 11:09

 

Ao mesmo tempo em que beija a mão do dirigente americano e pede para que ele o ajude a derrotar Lula nas eleições deste ano, o presidente Jair Bolsonaro não deixa de fazer seu showzinho com motociata, mesmo sabendo que, no Brasil, existem, hoje, 33 milhões de pessoas passando fome. Todos lembram que Bolsonaro preferiu acreditar em Donald Trump que denunciou fraude eleitoral. É difícil acreditar.

Deixando o Bolsonaro se divertir com moto, vamos publicar aqui dois artigos que retratam a situação da fome no país e que o Governo Federal parece não se importar, preferindo outras pautas, eleitoreiras, em sua gestão. Entre elas, subsidiar a gasolina ao invés de subsidiar o pão. Vejam os artigos de Roberto Cláudio, publicado no Congressoenfoco e do deputado estadual Luiz Claudio Romanelli:

 O Brasil pode e deve combater a fome

ROBERTO CLAUDIO

Nesta última semana, o Brasil foi sacudido por uma notícia que envergonha a nação que figura entre os cinco maiores produtores agrícolas do mundo.

Ao lado de China, Estados Unidos, Índia e Rússia, o Brasil figura como uma potência agronômica que tem investido em tecnologias que garantem o aumento significativo e a diversificação da produção do campo nas últimas décadas, tornando-se um dos cinco maiores produtores de alimentos do planeta.

Mas, para vergonha nacional, o Brasil tem, hoje, nada menos que 33 milhões de pessoas que passam fome. Os dados divulgados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN), apontam que em pouco mais de um ano, o Brasil “produziu” 14 milhões de novos famintos.

A fome dobrou nas famílias com crianças menores de 10 anos e seis em cada 10 domicílios liderados por mulheres estão em algum grau de insegurança alimentar.

A pesquisa também revelou que apenas quatro entre 10 famílias têm acesso pleno à alimentação.

O número de pessoas que passam fome no Brasil, hoje, é quase o dobro do que era registrado em 2020.

No Nordeste brasileiro, região historicamente atingida por esse drama da fome, aproximadamente 12 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar grave.

O mais alarmante, contudo, está no fato de vermos a inação do governo central do País que revela ter verdadeira aversão a qualquer sentimento de solidariedade ou empatia com os atingidos por esse mal.

Prova inconteste para esse descaso está na avassaladora redução no orçamento federal para o financiamento de políticas públicas no âmbito da segurança alimentar.

Nesse quesito, o Brasil regrediu três décadas. Isso mesmo, nosso País que tem, presentemente, 33 milhões de pessoas passando fome, regrediu trinta anos nas políticas de segurança alimentar em termos de orçamento.

Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, esse orçamento emagreceu 93% em relação ao ano anterior e foi de R$ 41 milhões. Neste ano de 2022 o orçamento está praticamente zerado, registrando dotação de apenas R$ 89 mil.

O meu amigo e jornalista Florestan Fernandes Júnior até publicou uma conta feita a partir do cruzamento de dados do PAA e constatou que o atual governo federal reservou para o Programa de Aquisição de Alimentos, neste ano de 2022, o equivalente a R$ 0,002 (dois milésimos de centavo) para cada um dos 33 milhões de brasileiros que passam fome atualmente no País, num quadro em que podemos apontar responsabilidade direta do governo central em muitas das causas para esse cenário da fome.

Para um país que está entre os maiores produtores e exportadores de alimentos do mundo, o Brasil nos envergonha a todos.

E nós temos como resolver esse grave problema a partir de uma forte decisão política de estabelecer programas de Estado e não de governo.

De forma geral, parece que a nossa classe política perdeu o interesse pelo tema, mesmo constatando que a fome expõe-se de forma dramática ao nosso redor como uma das consequências agravadas pela pandemia.

Trago, porém, a convicção de que se não houver uma forte mobilização dos vários agentes sociais e das nossas instituições, o governo central vai permanecer nessa postura de “cara de paisagem”, como se não fosse o responsável direto por uma política econômica (ou a falta dela) que estimule a geração de emprego e renda. Como se não fosse ele, o mais importante agente na condução de programas de segurança alimentar e, até mesmo, se não estivesse diretamente responsável por sinalizar como um povo pode se unir contra um mal tão abominável como a fome.

No campo das instituições, gostaria muito de saber como anda a ação movida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) junto ao Supremo Tribunal Federal (STF), que busca obrigar o governo federal a implementar políticas públicas de combate à fome junto aos governos estaduais, municipais e do Distrito Federal.

Uma demanda protocolada no segundo semestre do ano passado a pedido da Ação da Cidadania, entidade fundada, em 1993, pelo sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, uma das principais referências do País quando o assunto é segurança alimentar e nutricional.

O documento da OAB, uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), apontou várias irregularidades nas ações do governo em relação à fome no Brasil, “por violar cláusulas constitucionais como as que garantem a dignidade da pessoa humana; a inviolabilidade do direito à vida; os direitos sociais, incluídos o direito à saúde e à alimentação; que assegura a promoção do bem de todos sem qualquer forma de descriminalização e redução das desigualdades sociais e regionais”.

Assim como a ação da OAB, considero imprescindível chamar a atenção para o agravamento da insegurança alimentar em nosso País, que já deteriora as mínimas condições de vida, agravando o quadro de desigualdades sociais no Brasil, embora, desde 2010, a Constituição Federal contemple o direito à alimentação, de forma explícita, como um direito social que deve ser reafirmado expressamente.

Mais um tema que deve balizar as nossas escolhas nas eleições deste ano. Chegou a hora de orientarmos nosso voto em defesa da vida e contra a fome!!!

O texto acima expressa a visão de quem o assina, não necessariamente do Congresso em Foco. Se você quer publicar algo sobre o mesmo tema, mas com um diferente ponto de vista, envie sua sugestão de texto para [email protected].

voltou e quem tem fome, tem pressa

“A fome não é só uma tragédia, mas uma vergonha para a humanidade” – Papa Francisco

Luiz Claudio Romanelli

Triste e assustadora, para dizer o mínimo, a notícia de que 33 milhões de brasileiros passam fome. A pesquisa divulgada nesta semana pela Rede Penssan acrescenta que seis de cada 10 pessoas enfrentam algum grau de insegurança alimentar no País, e que um de cada três brasileiros já fez alguma coisa que lhe causou vergonha, tristeza ou constrangimento para conseguir alimento.

O Brasil já foi considerado um modelo para o mundo. Há poucos anos, nos orgulhamos de ter saído do centro do Mapa da Fome. Menos de dez anos depois, 15% da nossa população é levada a conviver com este flagelo infame. Segundo os estudos do assunto, neste quesito o País regressou três décadas na história, chegando a índices de insegurança alimentar de 1993.

Necessário lembrar que para enfrentar a situação degradante daquela época, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou a Ação da Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida. Foi o início de um programa estruturado para reduzir uma mazela que atingia 32 milhões de brasileiros. Logo depois veio o Fome Zero, que também deu grande contribuição para retirar famílias da zona de vulnerabilidade alimentar.

Objetivamente, o que vimos nos últimos anos foi o desmonte de uma estrutura que, se não resolveu o problema em definitivo, pelo menos ajudou a melhorar as condições de vida de milhões de pessoas. Peguemos o exemplo do PAA (Programa de Aquisição de Alimentos), transformado em Alimenta Brasil. Em 2012, essa política pública contava com um orçamento de R$ 586 milhões. Em 2022, os recursos não passam de R$ 58,9 milhões – uma redução de 90%.

É certo que a pandemia e o desemprego contribuíram para aprofundar as desigualdades. O quadro revelado mostrou um cenário de miséria muito maior do que aquele imaginado por grande parte da sociedade e das autoridades. A verdade passou na nossa frente em imagens degradantes de gente revirando lixo e buscando osso para comer, e agora os números revelam o tamanho da gravidade do problema.

Outro dado assustador, além da fome e da inflação galopante que solapa o poder de compra da maioria dos brasileiros, aponta que mais de 19 milhões de pessoas estão vivendo na extrema pobreza e outras 106 milhões vivem com apenas R$ 14 por dia.

Enfrentar a fome e a miséria sempre deve ser uma prioridade. Não precisamos reinventar a roda. Temos a experiência das ações de proteção social que já demonstraram efetividade.

O que falta é vontade política, e uma boa dose de consciência, para retomar as iniciativas e, claro, alocar recursos suficientes para atender a enorme parcela de excluídos que alguns agora parecem perceber, mas sem um sentimento de indignação à altura do desarranjo revelado.

Voltando aos dados da pesquisa da Rede Penssan, causa espanto outro número sobre a insegurança alimentar. São 125,2 milhões de pessoas nesta situação no nosso País, um aumento de 60% na comparação com 2018. Hoje, somente 41% da população brasileira tem acesso estável a alimentos. A situação é melhor para brancos (53,2%) e pior para pretos e pardos (35%).

Ver estes dados me causa indignação e me faz lembrar uma manifestação do Papa Francisco que diz: “Diante dessa realidade (a fome), não podemos permanecer insensíveis ou paralisados. Somos todos responsáveis”. Minha indignação cresce porque conheço o funcionamento de programas de segurança alimentar.

Ainda na década de 1950, o médico e nutricionista Josué de Castro, cunhou uma máxima que repete a atual e triste realidade. “Hoje em dia, ninguém dorme à noite no Brasil por causa da fome: 50% deles porque estão com fome. E os outros 50% porque têm medo daqueles que têm fome.”.

Fui secretário de Estado entre 2011 e 2014, e conseguimos investir R$ 92 milhões no programa Compra Direta, que levava alimento das pequenas propriedades e cooperativas da agricultura familiar para milhares de organizações de assistência social. Atendemos 1,5 milhão de pessoas e 12 mil pequenos agricultores em pouco mais de três anos.

Esta era uma boa parceria que o Paraná tinha com o governo federal.

No Paraná, o Estado acatou a minha sugestão e criou o Compra Direta Paraná, que utiliza recursos do Fundo Estadual de Combate a Pobreza. Nos próximos dois anos, estão previstos R$ 40 milhões para aquisição de alimentos para entrega direta a entidades socioassistenciais que atendem pessoas em situação de vulnerabilidade.

Retomar programas que já deram certo, sem ideologizar a questão da fome, é um dos caminhos que podemos tomar para diminuir as desigualdades, a miséria e a pobreza. No âmbito federal, isso tem que ser feito com urgência. Como diz outra máxima, essa do Betinho: quem tem fome, tem pressa!

Luiz Claudio Romanelli, advogado e especialista em gestão urbana, é deputado estadual (PSD) e primeiro-secretário da Assembleia Legislativa do Paraná.

 

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